Após uma seca de dois anos e meio, a expectativa do mercado é que as aberturas de capital (IPOs, na sigla em inglês) voltem a ocorrer na Bolsa brasileira neste ano.
A estimativa é que já no segundo trimestre tenhamos o primeiro IPO na B3, e as apostas variam entre três e 20 operações no ano. Considerando follow-ons (ofertas subsequentes, de empresas já listadas na Bolsa), as ofertas de ações podem movimentar entre R$ 50 bilhões e R$ 70 bilhões, segundo projeções do mercado.
Se confirmado, o valor superaria com folga os resultados dos últimos dois anos, quando só houve follow-ons. Em 2023, foram movimentados R$ 32 bilhões em emissões de ações, ante R$ 58 bilhões em 2022 —ano da privatização da Eletrobras, responsável por R$ 33 bilhões do volume de emissões.
A retomada de IPOs também marcaria o fim de um período de mais de dois anos sem ofertas públicas iniciais de ações na B3. A última empresa a abrir capital na Bolsa brasileira foi a Viveo, em agosto de 2021. Naquele ano, foram realizados 46 IPOs no país, e o volume financeiro movimentado foi de R$ 131 bilhões (incluindo follow-ons).
Sobre as candidatas a estrearem na Bolsa brasileira neste ano, o mercado aposta em empresas ligadas a infraestrutura, como companhias de saneamento e energia. O varejo também é citado, ainda que em menor volume, em meio a expectativa de recuperação do setor após fortes perdas no ano passado.
O principal motivo para o otimismo do mercado é a perspectiva queda de juros, que deve aumentar o apetite ao risco de investidores e impulsionar os mercados de renda variável.
No Brasil, a Selic (taxa básica de juros) foi de 13,75% para 11,75% desde agosto do ano passado, e o Copom (Comitê de Política Monetária) tem indicado em suas decisões que deve manter o ritmo de cortes em 0,50 ponto percentual por reunião. Além disso, o mercado projeta que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) deve começar a afrouxar os juros americanos já no primeiro semestre deste ano.
“Esses dois cenários são muito positivos para o mercado de capitais brasileiro, porque aumentariam a demanda de estrangeiros, que é fundamental no Brasil, principalmente para ofertas grandes. Com queda de juros, a gente também espera mais fluxo para fundos de ações e, com isso, que eles passem a alocar mais recursos em ações no Brasil, puxando novos IPOs”, afirma Leonardo Cabral, responsável pela área de investment banking do Santander Brasil.
O banco diz ter uma visão “cautelosamente otimista” sobre novos IPOs na Bolsa brasileira. Por isso, não faz projeções sobre volume que pode ser movimentado em emissões de ações neste ano, mas diz que mantém contato com cerca de 20 companhias interessadas em abrir capital.
“Existem muitas empresas com uma demanda represada no que diz respeito ao apetite ao risco. Não dá para dizer que 20 empresas vão lançar IPOs nos próximos meses, mas já existem várias demonstrações financeiras de companhias que poderiam acessar o mercado já em março ou abril e que estão interessadas”, diz Pedro Costa, responsável pela área de mercado de capitais do Santander.
Felipe Thut, diretor do Bradesco BBI, cita que, além da queda de juros, uma melhora no cenário macroeconômico também contribui para a possível retomada dos IPOs no Brasil.
“O PIB cresceu, a balança comercial está positiva e a inflação está caindo. Houve corte de juros e reformas implementadas nos últimos anos, em especial a reforma tributária. São vários fatores que, quando somados, criam um ambiente de negócios muito melhor no país”, diz Thut.
Em 2023, as agências de classificação de risco Fitch e S&P elevaram as notas de crédito soberano do Brasil, citando justamente o avanço da agenda econômica e a melhora nas projeções de indicadores, o que também colabora para maior confiança de empresas em abrir capital.
A estimativa do Bradesco é que as ofertas de ações movimentem entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões neste ano. Num cenário otimista, o banco prevê entre cinco e dez IPOs em 2024.
Já o Itaú BBA projeta entre três e cinco IPOs como cenário-base. Em estimativas mais otimistas, seriam entre cinco e dez ofertas iniciais de ações, e a primeira deve ocorrer ainda no primeiro semestre. O volume total previsto pelo banco é de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões, fruto de 25 a 35 operações de emissões de ações, incluindo follow-ons.
Empresas ligadas a infraestrutura são favoritas para estrear na Bolsa
Dentre as companhias que podem realizar sua primeira oferta de ações na B3, as dos setores de saneamento e energia são as favoritas.
“O mercado deve priorizar empresas que já estejam gerando caixa e tenham projetos de crescimento, e a área de infraestrutura e energia tem muitas oportunidades no Brasil. A economia não cresce sem infraestrutura adequada, e isso passa por disponibilidade de energia, estradas, aeroportos, ferrovias. Por isso, a gente acredita que a retomada se dará por estas indústrias”, diz Roderick Greenlees, diretor do banco de investimento do Itaú BBA.
O executivo cita que, se confirmado, o cenário seria diferente do que ocorreu entre 2020 e 2021, quando houve participação de setores variados e empresas de tamanho médio em IPOs. No período, houve 14 aberturas de capital do setor de varejo e outras 14 pelo setor de tecnologia.
Agora, a retomada deve começar por empresas maiores, que tendem a ganhar mais confiança de investidores.
A avaliação é compartilhada por Cabral, do Santander, que também aposta na infraestrutura como líder das emissões de ações em 2024.
“O investidor ainda não tem apetite para fazer muitas apostas arriscadas, de dizer ‘vou comprar agora e talvez dê certo, eu ganhe dinheiro, daqui a alguns anos’. Eles estão mais cautelosos”, diz ele.
Os executivos do banco afirmam que o setor é demandado e que existem necessidades de capital primário no Brasil e em outros grandes mercados. Por isso, o apetite por empresas do tipo deve ser relevante.
Na última quarta-feira (17), a Oceânica Engenharia divulgou, em comunicado ao mercado, que tem pretensão de realizar uma oferta pública inicial primária de ações.
Outros nomes citados pelo mercado desde o ano passado são a CBO (Companhia Brasileira de Offshore), de logística, e a CTG (China Three Gorges), do setor de energia. A Compass, empresa da Cosan com atuação no setor de gás, e as empresas de saneamento Aegea, Iguá e Corsan também já foram apontadas entre as que podem fazer a abertura de capital na B3.
Volta de IPOS pode impulsionar bolsa e melhorar ambiente de negócios
Se concretizada, a retomada de IPOs no Brasil pode trazer mais fôlego ao mercado de renda variável brasileiro.
“A Bolsa tende a se beneficiar, porque os IPOs podem atrair a atenção de novos investidores. No ano passado, grande parte da movimentação foi de investidores estrangeiros, e eles podem continuar entrando no nosso mercado, mas há também investidores brasileiros que ainda não voltaram à Bolsa e estão presos na renda fixa. Isso pode gerar uma nova atratividade para o mercado”, diz Victor Bueno, sócio e analista de Ações da Nord Research.
Felipe Thut, do Bradesco, cita que a oferta de ações seria mais uma alternativa para empresas levantarem recursos, o que contribuiu para a realização de investimentos em projetos de companhias brasileiras.
“Quando não há o mercado de IPO, as opções são tomar dívida ou tomar capital fora da Bolsa, achando algum investidor. Com o mercado aberto, a companhia tem mais uma alternativa de captação de recursos”, diz o executivo.
Greenlees, do Itaú, lembra, ainda, que os recursos obtidos pelas empresas com ofertas de ações é remunerado aos acionistas como dividendos, e não uma dívida. Com isso, as companhias têm mais facilidade de expandir sua capacidade de produção.
“Não se faz um grande projeto sem capital de longo prazo. Com um IPO, a empresa consegue capital dela, porque esse capital não é dívida, não terá que ser devolvido. Ele está lá para sempre. Por isso, é importantíssimo para qualquer economia um mercado de capitais pujante. É o que vai viabilizar novos empregos e o crescimento da economia como um todo”, diz o executivo.
Fonte: Folha de S. Paulo