Crescimento mais baixo, cortes nos juros, busca por zerar o déficit fiscal, batalhas do governo no Congresso e eleições municipais polarizadas são alguns dos fatores que devem conquistar a atenção dos investidores brasileiros em 2024. Enquanto 2023 foi marcado pelo foco no processo desinflacionário e nas contas públicas, o pior momento parece ter passado, mas ainda requer atenção, na visão de economistas consultados pelo Investing.com Brasil, que apontam os entraves à expansão da economia e a situação das contas públicas como principais desafios a serem enfrentados nos próximos meses.
Economia tende a desacelerar o crescimento
A inflação recuou, mas a economia tende a desacelerar também. Ainda que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha iniciado o ciclo de cortes na taxa de juros básica da economia brasileira, a Selic, o patamar ainda está em território contracionista – e pode pesar no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
O consenso de mercado indica uma perda no fôlego, com crescimento menor. Último Boletim Focus divulgado pelo Banco Central mostra que a projeção para o indicador é de 1,52% para 2024, ante expectativa de que 2023 tenha apresentado crescimento de 2,92%.
Na opinião de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o Copom teria exagerado na dose do aperto e a economia brasileira tende a ser penalizada por isso. “Eu sei que BC tem que pecar por excesso, que é a convenção mundial, mas a evolução da economia global e da economia local contemplavam um início do ciclo de queda mais cedo”, pondera.
O economista Rodolfo Margato, da XP (BVMF:XPBR31), também aponta como ressalva o crescimento diante da perspectiva positiva que possui para o restante dos dados macroeconômicos brasileiros neste ano. “Acho que tem um desafio maior no curto prazo, olhando atividade econômica, para aqueles bens que são mais sensíveis ao crédito, aos juros altos”, exemplifica Margato.
Reforma Tributária aprovada, mas fiscal no radar
Ainda que a Reforma Tributária tenha sido uma vitória do governo, a situação fiscal ainda traz cautela, no entendimento de economistas. Assim como outras instituições financeiras, a XP, por exemplo, não acredita que a meta de zerar o déficit fiscal neste ano será atingida, apesar de novos esforços para elevar a arrecadação. Para Rodrigo Octavio Marques, sócio da Nest, a substituição da regra fiscal foi feita de uma forma relativamente tranquila e o mercado tolerou a flexibilidade fiscal, mas não tende a aceitar um eventual não cumprimento da meta de déficit primário da mesma forma.
O Congresso Nacional promulgou no final do ano passado a Emenda Constitucional 132, da Reforma Tributária, a primeira reforma ampla sobre o sistema tributário nacional realizada desde a Constituição Federal de 1988. A mudança prevê a unificação de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que será cobrado a nível federal e estadual. Apesar das divergências sobre os impactos para determinados setores e estados, o entendimento foi de que os ganhos com a simplificação seriam maiores do que as perdas. Agora, as regras precisam ser detalhadas em lei complementar e enviada ao Congresso em seis meses, incluindo as alíquotas dos tributos necessárias para garantir a neutralidade fiscal.
O início do ano já contempla um novo embate: a desoneração. O governo editou medida provisória que limita a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, visando amenizar o déficit fiscal. A desoneração iniciou no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2012, e teria fim em 2023. Como foi prorrogada pelo Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou a matéria e teve o veto derrubado, reestabelecendo a medida. Assim, a nova MP, que prevê uma alíquota menor de imposto a partir de abril, ainda deve ser apreciada pelo Congresso e pode ser uma das primeiras derrotas do governo em 2024.
Ciclo de cortes nos juros, último ano de Campos Neto no BC e novos dirigentes
Ainda que economistas tenham divergências sobre se o Banco Central deveria – ou quando poderia – acelerar o ritmo de cortes nos juros, há um consenso de que estes devem seguir em frente. A expectativa de mercado, segundo o Boletim Focus, é de que a Selic chegue a 9% ao final deste ano, com inflação recuando para 3,90%.
Enquanto o alvo inflacionário de 2023 era de 3,25% com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos, resultando em limite superior de 4,75%, o centro da meta de 2024 é de 3%, com limite da mesma magnitude. Assim, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não poderia ultrapassar 4,5%.
Ainda, 2024 é o último ano do mandato de Roberto Campos Neto como presidente do Banco Central. Campos Neto foi duramente criticado durante o início da gestão Lula, divergências que parecem ter suavizado com o início do ciclo de cortes. Lula desejava que a Selic caísse antes, devido aos impactos no crédito e na atividade econômica, enquanto Campos Neto defendeu as decisões do Copom em segurar o patamar elevado por mais tempo para controlar a inflação. Com os embates, rumores apontavam que o mandato poderia ser abreviado para uma eventual transição do cargo para a indicação do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, que agora é diretor de política monetária.
Para este final de período no comando do órgão, Campos Neto já afirmou que segue no cargo até o prazo e consolida a importância de entregar inflação na meta, mas com Selic mais baixa quanto possível. Mesmo com as críticas do governo, o presidente do BC tem mencionado o esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para melhorar o quadro fiscal.
Além disso, tomaram posse no início deste ano como diretores do BC os economistas Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira. Enquanto Picchetti assume a diretoria de Assuntos Internacionais, Rodrigo Teixeira inicia no cargo da diretoria de Administração.
Polarização das eleições municipais
As eleições municipais de 2024 tendem a reacender a polarização na política e podem levar a novos embates entre o executivo e o legislativo. A polarização política foi marca registrada das eleições na corrida presidencial de 2022, quando Lula venceu o então presidente Jair Bolsonaro (PL), que buscava sua reeleição.
Ainda que o debate contemple outras siglas, não apenas PT e PL, a esquerda e direita voltam às discussões acirradas. Com eleições em foco, os gastos nos municípios brasileiros também entram no radar, pois é comum a ampliação dos investimentos, ou pelo menos a dificuldade em cortar gastos, em períodos anteriores aos pleitos.
Agenda verde como foco de investimentos
A agenda verde não somente é um entrave para acordos econômicos entre bloco do qual o Brasil faz parte, mas acende um alerta para novos investimentos. Por isso, o novo governo quis demonstrar a nível global esforços nesse sentido, incluindo a diminuição do desmatamento na Amazônia. Oficialmente país-sede da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30), o país se prepara para a realização do evento, que vai ocorrer em Belém, no Pará – pela primeira vez em um município da Amazônia. O encontro será entre 10 e 21 de novembro de 2025.
Ao mirar em novos investimentos verde no país, a Câmara aprovou o projeto que regulamenta o mercado de carbono e a matéria vai para análise do Senado. O texto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), além de definir tetos para emissões por parte das empresas. Além disso, o PL estabelece regras para a venda de títulos de compensação.
Segundo Gonçalves, este é um tema que merece destaque a médio prazo e que tende a impulsionar o investimento externo. “Temos a definição no Congresso de toda a parte ligada a meio ambiente, sustentabilidade, esse assunto que passa pela economia toda e passa, principalmente, por investimento externo. É uma fragilidade. Sei que o Congresso cobra caro, mas a gente acompanha e eu não vi nada evoluindo”, avalia.
O tema entra em embate dentro do próprio governo, tendo em vista que o Ministério de Minas e Energia apoia a exploração na Margem Equatorial (BVMF:EQTL3), o que é almejado pela estatal de petróleo Petrobras (BVMF:PETR4), mas o Ministério do Meio Ambiente defende imposição de limites. Com as discussões públicas, não faltaram rumores sobre a saída de Jean-Paul Prates do cargo de CEO da Petrobras em 2023 e seguem as incertezas a respeito desse assunto.
Economia internacional e blocos econômicos
A economia global passou por um período difícil com ciclos de apertos monetários diante da alta inflação, mas a expectativa é de que muitos países possam começar a pensar o inverso e cortar juros neste ano. Nos Estados Unidos, analistas passam a vislumbrar um pouso suave da maior economia do mundo, com desinflação sem recessão – o que ainda requer novos dados e atenção, no entanto.
“Essa mudança até um pouco brusca no ciclo de juros do Fed de fato impacta bastante nossas expectativas para os riscos de recessão globais”, destaca Thomas Monteiro, analista do Investing.com Brasil, que aponta a resiliência do mercado americano, mas completa que ainda há riscos, como uma possível volta da inflação, o que pode fazer o Fed reavaliar a trajetória de juros.
Já a tese de retomada do gigante asiático foi insuficiente, mas não parece afetar a pauta de exportação brasileira, no entendimento de Gonçalves. “A China, por mais que cresça menos, cresce. E isso sustenta a nossa exportação de agro e a parte de minério, além de petróleo em boa medida”.
O economista pondera que há cuidados também a respeito da economia chinesa, mas avalia que outro país merece maior cautela: a vizinha Argentina. As exportações brasileiras para o país não são tão relevantes quanto seu maior destino chinês, mas a proximidade com os hermanos e eventuais novos atritos com a gestão do novo presidente, o ultraliberal Javier Milei, que já criticou publicamente Lula, ainda podem tomar os holofotes nos próximos meses.
Com pesquisas de eleições americanas apontando vantagem do ex-presidente Donald Trump, sugerindo possíveis dificuldades ao governo petista, o executivo voltou as atenções para os blocos econômicos dos quais faz parte. Novos países entram no Brics a partir deste ano, o que pode levar à maior aproximação de nações emergentes. Na composição atual, o bloco é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas contará ainda com a participação do Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Egito. Já o governo argentino alegou “não considerar oportuno” fazer parte do grupo. No entanto, em carta enviada ao Brasil, que é maior parceiro comercial, Javier Milei disse que reforça o compromisso para intensificar laços bilaterais, incluindo comércio e de investimentos.
Já a expectativa do governo Lula de que o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, também não se concretizou. A corrida foi acelerada no final do ano, antes da posse de Milei, mas seguem os entraves ambientais de alguns países, principalmente da França. O presidente francês, Emmanuel Macron, se posicionou contra o acordo e enxerga contradições entre as regras aplicadas no país e eventual diferença entre as exigências feitas para demais países.
Fonte: Investing