Os fundos de Corporate Venture Capital (CVC) vêm se consolidando como estratégia de grandes empresas para a inovação aberta. Segundo dados da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), esses fundos foram responsáveis, em 2023, por 30% de todos os aportes de venture capital realizados no país – percentual que era de apenas 10% em 2019.
Abrir um fundo como esse impõe desafios. Empresas que apostam nessa estratégia contam que ela geralmente é adotada após experiência acumulada em outros tipos de inovação aberta, quando os objetivos da corporação em relação a investimentos em startups já estão maduros.
E há casos em que as empresas estão tão certas da efetividade desse instrumento que, mesmo já tendo um fundo estabelecido globalmente, decidem abrir outro. É o caso das multinacionais que abrem um fundo de CVC específico para atuação no Brasil e complementar à atuação de outro instrumento semelhante que atua de forma mais abrangente — na América Latina ou no mundo todo. Entre os exemplos estão a operadora de telefonia Vivo e a produtora de aço ArcelorMittal.
“São empresas que já têm um core muito estabelecido aqui, e tamanho de mercado muito forte, e investir em tecnologia acaba sendo uma parte fundamental do processo. Para continuar sempre com eficiência, essas empresas abrem novos CVCs, como uma forma de estarem mais próximas de investidores e do que de mais avançado acontece no mercado”, explica Eduardo Fuentes, head de Research da plataforma de inovação Distrito.
Estratégia complementar de CVCs na Vivo
Subsidiária brasileira do Grupo Telefónica, a Vivo buscava parcerias com startups por meio da Wayra, hub de inovação com investimentos próprios, criado em 2011 e que atua em 9 países, incluindo o Brasil. Mas isso não impediu que a companhia abrisse, em 2022, o Vivo Ventures, fundo de CVC que atua exclusivamente no país.
“A Wayra foi criada num ecossistema muito diferente do de hoje, quando os empreendedores precisavam de muito mais apoio do que agora. Em 2018, precisamos nos reposicionar, entendendo que o ecossistema estava mais maduro, e o cheque em si se tornou mais importante do que a mentoria. Mas, de lá para cá, percebemos que ainda precisávamos montar um outro veículo, com foco diferente”, explica Gabriela Toribio, managing director da Wayra Brasil e do Vivo Ventures no Brasil.
Esse veículo tomou forma com o Vivo Ventures, fundo de CVC que pretende investir R$ 320 milhões em startups num prazo de 4 anos. Valor bem mais volumoso que o da Wayra, que, nos seus 12 anos de vida, investiu R$ 25 milhões em 84 negócios no Brasil.
Aí já se nota a principal diferença entre os fundos nacional e internacional: a Wayra procura startups em early stage para investir, com cheques máximos na casa dos R$ 2 milhões, visando desvendar o potencial de novas tecnologias que, no futuro, possam ser úteis à empresa; já o Vivo Ventures está atrás dos negócios mais maduros, em fase de growth, que já possam trazer sinergias mais imediatas com os negócios da empresa, com investimentos entre R$ 10 milhões e R$ 25 milhões.
“A Wayra pretende ser sempre o primeiro cheque do empreendedor. E, com o Vivo Ventures, a gente procura formas de gerar novas fontes de receita no futuro próximo”, diz Gabriela.
Os investimentos já feitos pelo Vivo Ventures ilustram a estratégia: o primeiro foi na Klavi, plataforma de analytics e serviços API com soluções de Open Finance, que permitiu à Vivo ofertar crédito junto aos serviços de telefonia; com a fintech Klubi, entrou no ramo de consórcios; já com a Digibee, que oferece uma plataforma de integração de serviço, a Vivo apoia o negócio como um todo, fortalecendo sua infraestrutura digital.
CVC global e local com focos diferentes
Há mais de 100 anos no Brasil – a empresa foi fundada em 1921, como Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira –, a ArcelorMittal hoje tem seu comando central em Luxemburgo e possui clientes em 160 países. Mas segue com olhar especial para o Brasil, o que motivou a criação, em 2018, do Açolab, laboratório de inovação aberta para interação com startups.
Assim como a Vivo, a ArcelorMittal entendeu em certo ponto que era necessário ter um instrumento mais assertivo para firmar parcerias com aquelas startups que se mostrassem especialmente promissoras para os negócios da corporação. Também nesse caso, há um fundo global e um específico para o Brasil. Mas, no caso da ArcelorMittal, ambos foram criados quase que simultaneamente, em 2021, como parte de uma estratégia integrada de inovação.
Internacionalmente, o XCarb Fund surgiu focado em startups que colaborassem com a descarbonização e transição energética da empresa. Por aqui, o Açolab Ventures veio associado ao Açolab, aproveitando a experiência acumulada no laboratório para estreitar o funil de possíveis parceiros e apostar naqueles que pudessem trazer ganhos mais imediatos, em áreas mais diversas que as do fundo global, como construção civil, experiência do cliente, matérias-primas, canais de venda e logística.
“Em geral, procuramos no Açolab Ventures startups em estágios intermediários, seed ou série A. Quando o negócio começa a crescer, ela precisa lidar com mais gente, e nem sempre estão bem preparados para isso. Então, ajudamos com nossa estrutura e poder de alavancagem”, explica Rodrigo Carazolli, gerente geral de inovação e do Açolab na ArcelorMittal.
O fundo prevê desembolsar, até 2025, cerca de R$ 110 milhões, estimando entre 10 e 15 startups aportadas nesse período. Valor mais modesto que os US$ 100 milhões anuais do XCarb Fund, mas suficiente para encontrar parcerias que já estão beneficiando a empresa, direta ou indiretamente.
O primeiro dos investimentos foi na Agilean, startup que usa inteligência artificial e internet das coisas para a gestão e digitalização de canteiros de obras. A ArcelorMittal ajudou a startup a encontrar novos clientes fora de seu mercado de origem (Nordeste), recomendando-a para construtoras que são suas clientes; dando escala para a startup investida, a multinacional contribui para o aperfeiçoamento dela, e com a modernização de um setor que é fonte de receitas perenes para a empresa.
Estratégia semelhante é usada nos outros investimentos já feitos até agora, que incluem a Beenx, uma “one stop shop” de energia que usa blockchain nas transações; a Modularis, que otimiza a construção a partir do aço e ajudou diretamente a ArcelorMittal a desenvolver uma nova metodologia para construções inovadoras e mais sustentáveis; e a Sirros, de hardware as a service e IoT, que monitora e otimiza maquinários de plantas industriais e de construção, e já tinha a Arcelor como cliente antes de receber o investimento.
“Procuramos sempre startups que estejam conectadas à nossa estratégia. Quando nos conectamos a elas, queremos verificar o quanto a gente pode agregar para além do dinheiro”, diz Carazolli.
Gestão coordenada
Para garantir a eficiência dos diferentes fundos que atuam no país, as multinacionais precisam de gestão coordenada. Na Vivo, isso é garantido pelos comitês que orientam as estratégias de Wayra e Vivo Ventures.
“Na Wayra, temos um comitê de investimentos, com alguns membros da Espanha. Como ele atua em vários países além do Brasil, é mais importante ter maior participação da matriz. No Vivo Ventures, que é mais voltado para a estratégia no Brasil, temos apenas uma pessoa da Espanha, e o restante do Brasil, incluindo nosso CEO”, explica Gabriela Toríbio.
O mesmo time atua procurando as melhores oportunidades para investimento de Wayra e Vivo Ventures. Um sistema integrado contém todo esse mapeamento, com o estágio de cada startup considerada interessante, momento certo para abordagem e informações relevantes para apresentar o investimento ao comitê que aprova a decisão.
No trabalho de mapeamento, cada gerente do time se especializa em um mercado: fintechs, energy techs e healthtechs, por exemplo. “Fazemos mapeamento ativo e passivo das empresas pré-selecionadas. Às vezes, eu mesmo trago coisas, e pessoas do nosso time de investimentos vão a eventos, fazem relacionamento e mostram a cara”, diz ela.
Na ArcelorMittal, há constantes conversas entre a gestão nacional e global, para entender que oportunidades servem melhor ao Açolab Ventures e ao XCarb Fund. “É uma troca de pipeline e de conhecimento também”, diz Rodrigo Carazolli.
Na ponta, a eficiência do processo depende do espalhamento da cultura de inovação pela empresa. Para garantir que isso aconteça, a empresa tem “embaixadores da inovação” – 95 colaboradores de diversas áreas e regiões do país que atuam como disseminadores dessa cultura. Isso ajuda a força de vendas da Arcelor a saber como oferecer os serviços de startups investidas, como Agilean, aos clientes da corporação.
“Construir essa rede de forma sólida foi um processo de 5 anos. E foi fundamental para que a gente conseguisse refinar nossa estratégia de investimentos e investir com qualidade. Nos ajuda a sair de um nível superficial de inovação aberta para algo mais profundo”, afirma Carazolli.
Fonte: Época Negócios