Nos últimos dias, uma série de indicadores sobre o desempenho da economia brasileira mostrou, com clareza inequívoca, o descompasso que existe entre os diferentes setores produtivos. Enquanto agronegócio, comércio e serviços mantêm bom ritmo de crescimento em 2023, a indústria não sai do lugar. Um dado em especial chama atenção: se não houver surpresas, o PIB do país deverá avançar em torno de 3% neste ano. Por sua vez, o segmento industrial ficará no zero a zero, o que dá a medida de seu atraso em relação às outras atividades. Embora a paralisia seja um processo histórico que se intensificou nas últimas décadas — nos anos 1970, a indústria chegou a representar 36% do PIB, enquanto a participação atual é de 24%, considerando todas as suas dimensões —, o governo Lula deveria olhar para o problema com mais atenção. “A indústria brasileira precisa urgentemente retomar o seu protagonismo”, afirmou o vice-presidente, Geraldo Alckmin, ao assumir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Até agora, contudo, nada mudou.
Diversos fatores explicam por que a indústria nacional permanece com o pé no freio. Até os anos 1980, ela era o principal foco das políticas públicas. Com a abertura econômica — bem-vinda, registre-se — no início da década de 1990, os governos deixaram de tratar a indústria como prioridade. A ascensão espetacular da China representou outro desafio para o setor. Com fortes investimentos do Estado e mão de obra abundante e barata, os chineses capturaram uma expressiva parcela do mercado mundial. Nesse processo, ficamos para trás. “No Brasil, a industrialização foi focada no mercado interno, com pouca inovação e alta proteção”, diz Paulo Morceiro, pesquisador em desenvolvimento industrial da Universidade de Utrecht, na Holanda. “A estratégia provou ser ineficaz, especialmente diante da globalização.”
A desindustrialização não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Ela também é notada nos países ricos, com o setor de serviços avançando à medida que a renda da população cresce. Contudo, há uma diferença gritante entre o caso brasileiro e o internacional. “No Brasil, essa transição ocorreu de maneira precoce, antes de alcançarmos uma renda média comparável à de nações que passaram pela transformação”, diz Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, porém, a crise vai além da transição econômica: ela se deve também à baixa produtividade nacional.
De fato, estamos parados no tempo. Um estudo sobre o tema, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, mostra que a renda per capita do país cresceu 0,8% ao ano de 1981 a 2021. Boa parte desse passo lento se deve ao fato de que, no mesmo período, nossa produtividade avançou, na média anual, modesto 0,6% — ou seja, praticamente nada. Não à toa, nas duas últimas décadas o Brasil foi ultrapassado, em termos de produtividade, por nações como Bulgária, Colômbia e República Dominicana. Com produtividade maior, os grandes protagonistas industriais conseguem fabricar mais em menos tempo, o que obviamente reduz os custos de suas mercadorias. É difícil competir com quem dispõe de cartas melhores para jogar.
Para elevar a produtividade, um dos caminhos indispensáveis é a inovação, mas nesse campo o Brasil também deixa a desejar. Investimos nela algo como 1% do PIB ao ano, enquanto nações como Alemanha e Estados Unidos aplicam 3%. Na China, a inovação virou política de Estado — em 2006, o governo lançou um programa de subsídios para pesquisa que concede prêmios em dinheiro a empresas que mais registrarem patentes. Por aqui, o baixo investimento tecnológico resulta em parques fabris ultrapassados, um gargalo que emperra o desenvolvimento do setor.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um levantamento que expôs uma situação alarmante: 12% das indústrias brasileiras usam maquinário das décadas de 1980 e 1990, quando praticamente não havia internet e a inteligência artificial era apenas um sonho distante. A idade média do parque fabril é de catorze anos — 38% dos equipamentos estão próximos ou superaram o tempo sinalizado pelo fabricante como ciclo de vida ideal “Na indústria em geral, a renovação dos equipamentos é dificultada não só pelo alto custo dos financiamentos, mas também pela baixa lucratividade das empresas”, diz Mario Sergio Telles, gerente executivo de economia da CNI. Embora a Selic, a taxa básica de juros da economia, esteja em 12,25% ao ano, as indústrias acessam linhas de crédito com taxas de 20% ou mais. Para Ricardo Alban, empresário que recentemente se tornou presidente da CNI, tal disparidade coloca o setor industrial brasileiro em desvantagem frente a competidores. Sem recursos, os investimentos em inovação e tecnologia mínguam e, inevitavelmente, o país pouco evolui.
A história ensina que as nações que alcançaram estágios de desenvolvimento avançados tiveram aumento significativo na exportação de produtos de alto valor agregado, algo distante da realidade brasileira. Enquanto na média global 21% das exportações são de itens dotados de alta tecnologia e 31% de média-alta, no Brasil essas categorias representam apenas 2% e 13%. Não é um quadro passível de ser melhorado em pouco tempo. Mas algumas novidades podem trazer alívio para o setor.
É o caso da reforma tributária em tramitação no Congresso, que simplifica normas e unifica impostos. A CNI traz um exemplo que mostra a relativa eficácia do projeto. Segundo a entidade, os produtos manufaturados exportados pelo Brasil embutem um “resíduo tributário” de 7% em seu preço. Com as novas regras, ele será zerado. Ainda assim, há muito por ser feito. “Embora a simplificação tributária seja um avanço necessário e positivo, ela não aborda plenamente as questões de competitividade, em especial a carga tributária, que continua sendo um obstáculo para a inserção de produtos brasileiros no mercado global”, diz Cesar Alarcon, CEO da fabricante de pneus Pirelli na América Latina.
Outra frente para evoluir é a da transição energética. Nesse campo, o Brasil tem a vantagem comparativa de contar com um uso mais extensivo de fontes de energia sustentável na produção do que a maioria dos países concorrentes. Além disso, a transição pode ser a oportunidade de uma “neoindustrialização”, a fabricação de equipamentos e produtos voltados para a nova fase mundial de mais cuidado com o meio ambiente. Se houver medidas favoráveis do governo e ação firme do empresariado, a indústria pode, sim, dar uma nova arrancada e sair da estagnação atual.
Fonte: VEJA Mercado