Dez anos depois de seu primeiro pedido para registrar uma nova bolsa no Brasil, a ATS espera colocar uma operação de pé até o final do ano que vem. Muita coisa mudou nesse meio tempo: o acionista principal, a capacidade financeira, a tecnologia do setor e o conjunto de normas para encarar a B3.
O volume do mercado também mudou, ainda que siga pequeno na comparação com as principais bolsas internacionais: há 10 anos, a B3 negociava em média R$ 6 bilhões diários no segmento de ações (ou R$ 11 bi considerando a atualização monetária), volume que hoje está na casa de R$ 26 bilhões e, na pandemia, chegou a R$ 35 bilhões.
A ATS é uma controlada da ATG, comprada pelo fundo árabe Mubadala no ano passado. A aposta do Mubadala é que dá para aumentar o bolo, mais do que disputar a mesma fatia – o que desperta um misto de empolgação e ceticismo nos agentes financeiros locais.
“Não é um sonho. É um projeto protocolado, em andamento e muito bem estruturado”, afirma Claudio Pracownik, o CEO da ATG que vai assumir a presidência da futura bolsa, em entrevista exclusiva ao Pipeline.
A companhia já entrou com os processos na CVM e no BC para o registro de bolsa e abertura de clearing. Já houve algumas demandas de informações adicionais e trocas de contatos e, uma vez que os reguladores se sintam abastecidos de todos os dados necessários, começa a correr o prazo de nove meses previsto na instrução 135 para a resposta à solicitação de registro de bolsa.
Dada a autorização, a bolsa precisa começar a operar no curto prazo, ou o processo volta à estaca zero nos reguladores – daí a estimativa da ATG de estar em funcionamento no fim de 2025. Na parte jurídica, a empresa tem sido assessorada pelo escritório Pinheiro Neto e na estruturação dos sistemas de risco e compensação pela Interlink, consultoria de Amarílis Sardenberg, ex-Bovespa e CBLC.
A tecnologia da clearing é da indiana Tata. No caso da depositária, a nova bolsa quer usar o serviço da B3 – o que ficou assegurado depois de uma reclamar ao Cade e uma arbitragem movida pela ATG no passado. A companhia também contratou a FutureBrand para definir um novo nome para a ATS, que deve ser fechado neste primeiro semestre.
O modelo que a nova bolsa quer é semelhante ao que as americanas BATS e Direct Edge cogitaram fazer no passado. A princípio não haverá listagem de companhias, mas uma opção como plataforma de negociação, que poderá ser arbitrada com outras bolsas e ter outros produtos de derivativos, por exemplo.
A bolsa operaria pelo modelo de melhor execução (‘best execution obligation’ como em bolsas europeias), em que a ordem é fechada pelo menor custo disponível para o cliente, enviando o aviso de troca de custódia para a B3, que altera o proprietário, recebendo fee por esse serviço. No caso das bolsas americanas, porém, a avaliação lá atrás foi que o custo era muito alto para implementação. A B3 havia mudado a estrutura de tarifação, colocando maior peso em clearing – o que dava no mesmo para o cliente final, mas complicava o pleito de interessados para acessarem o serviço da câmara de liquidação em casa de abertura a terceiros.
A candidata a concorrente afirma que vai ser competitiva em preço. “Temos tecnologia proprietária, sem legado, e eficiência. A ATG só cresceu na última década sem passar de 40 funcionários”, exemplifica Pracownik.
A ATG opera sistemas eletrônicos de negociação de ações, em transações de milissegundos. Enquanto a bolsa não está no ar, a ATG busca ganhar market share com o serviço que já faz – o que já serviria de experimentação da tecnologia da casa, que depois pode ser plugada à ATS assim como as corretoras. Com 310 gestoras e 44 corretoras plugadas, a ATG tem uma participação que varia entre 7% e 10% do volume de ações, incluindo grandes instituições financeiras. Em eletronic trading, compete com a Bloomberg no país.
Na bolsa, o primeiro produto da ATS será a negociação de ações no mercado à vista, com lançamentos a cada três meses. Dessa forma, a empresa simplifica o pedido inicial aos reguladores e a própria estrutura de estreia, com novos produtos à medida que ganha volume.
Mas há definições que precisarão ser feitas na relação com a B3, como mercado de opções ou se houver intenção de horário ampliado. A bolsa estabelece um limite para aluguel de ações em relação ao float, por exemplo – se a novata quiser trabalhar com esse tipo de operação, o limite será adicionado por ela ou contabilizado com o volume na B3? A ATS tem afirmado aos agentes financeiros que não se opõe a fazer junto ou ter interoperabilidade entre as clearings, por exemplo, e quer boa relação com a B3.
“Não é uma guerra. É uma luta para aumentar volume, para expansão do mercado brasileiro”, diz Pracownik.
A registradora CSD, que tem Santander e BTG Pactual entre os acionistas, também entrou com pedido para uma nova bolsa. Neste caso, entra também com depositária própria, ao invés de pagar pelo serviço da B3, além do desenvolvimento da própria clearing. Mas a ATS pode vender o acesso a outros eventuais operadores que não tenham a própria estrutura.
O Mubadala, a propósito, também comprou participação em uma concorrente da CSD no serviço de registradora, a Cerc. Esta empresa, no entanto, não faz parte da estrutura para a bolsa.
Nas conversas com investidores estrangeiros, acostumados a negociar em alta frequência entre as 12 bolsas americanas ou as 16 europeias, Pracownik encontrou receptividade. A futura bolsa quer garantir liquidez inicial vinda do mercado internacional e também doméstico. O business plan não foi feito em cima de receita tirada do volume da B3, mas ainda que esse seja o ritmo inicial, a companhia projeta rentabilidade com percentual pequeno de mercado – que o CEO mantém em sigilo, assim como a cifra exata dos milhões que o Mubadala está colocando no projeto.
Com capital soberano de Abu Dhabi, o Mubadala não tem operações de bolsa de valores mobiliários em outros países, ainda que tenha diversos investimentos em companhias do setor financeiro – como bancos no próprio emirado, a MidChains, uma bolsa de negociação de ativos digitais para investidores institucionais, a plataforma de investimentos Sarwa em outros países do Oriente Médio, além de participações em seguradoras e gestoras da Russia à França. O bolso é fundo.
Antes de comprar a ATG, o fundo árabe contratou a Kroll para uma averiguação completa – na empresa e nos executivos. A empresa é 80% do Mubadala, considerando posição direta e indireta, e tem como minoritários o Postalis, fundo de pensão dos Correios, e Serpros, previdência do Serviço Federal de Processamento de Dados. Sergio Carneiro e Oscar Fahlgren representam o Mubadala no conselho e Alberto Guth, da Angra Partners, representa as fundações.
A composição acionária da nova bolsa é espelhada, mas o conselho vai incluir membros independentes. A nova bolsa ainda avalia onde será sua sede, mas há grande possibilidade de ficar no Rio de Janeiro, já que é onde está a base do Mubadala no país e a ATG – e também terra natal de Pracownik, aliás. A companhia ainda está avaliando as questões tributárias, no entanto, e a própria demanda dos investidores.
Hoje o time que toca o projeto da bolsa é basicamente o mesmo da ATG, crescendo conforme o processo regulatório avance. A área de tecnologia é comandada por Eduardo Nicodemos e a companhia trouxe Oswaldo Pereira, que era gerente de modelagem de risco da B3, como head de risk management.
Pracownik fez sua carreira no mercado financeiro – foi sócio do Pactual, chefe de operações do Bozano e do Santander, CEO da Ágora e da Genial Investimentos – mas também com um pé no universo esportivo. Comandou as finanças do Flamengo e liderava a Win the Game, empresa do BTG Pactual e da Fix Delivery para negócios relacionados a esporte.
No clube de regatas, frequentemente questionado sobre comparações internacionais de receita, margem e audiência, Pracownik costumava dizer que, para o time ser o Real Madrid, o rival precisava ser o Barcelona. “Concorrentes eficientes elevam o jogo.” Para ele, a lógica é parecida no universo financeiro.
Fonte: Pipeline