Os investimentos no exterior estão a alguns passos de ter uma nova tributação no Brasil. No último dia 8, a Medida Provisória 1.171/23 foi incorporada à Medida Provisória do salário mínimo (1.172/23) e aprovada pela comissão mista do Congresso Nacional com alguns ajustes. Segundo advogados ouvidos pelo InfoMoney, o texto agora está mais completo e deixa menos margem para brechas jurídicas.
Os pontos cruciais permanecem: tabela unificada para todas as cobranças (seja lucro com renda ou ganhos de capital), isenção até R$ 6 mil anuais, com alíquota máxima de 22,5% a partir de R$ 50 mil anuais e tributação das offshores anualmente, mesmo sem distribuição de lucros. Entretanto, há alguns detalhes novos que o investidor que aloca dinheiro lá fora precisa conhecer. Veja a seguir quais são.
Variação do câmbio
Um primeiro esclarecimento é em relação à cobrança em cima de variação cambial de moeda estrangeira. Em novo ajuste, os parlamentares acrescentaram ao texto que a variação cambial do dinheiro que fica parado em conta internacional e não possui rendimento está isento do imposto.
A mudança beneficia a pessoa que abre conta em dólar para acumular dinheiro e fica meses trocando real pela moeda americana. Mesmo que, por exemplo, em um prazo de seis meses o dólar se valorize frente ao real, resultando em lucro com a troca de câmbio, o montante não será passível de tributação.
“É um ajuste para evitar interpretações, porque não estava prevista essa cobrança anteriormente. Essas contas normalmente têm finalidade de viagem, mudança de país, estudo no exterior. Nada disso é alvo da atualização da tributação”, diz João Cláudio Gonçalves Leal, sócio coordenador tributário no SGMP Advogados.
A isenção vale apenas para lucro advindo de variação cambial, e não de rendimentos. Isso significa que, se o valor for depositado em qualquer produto financeiro, passa a ser uma aplicação financeira e será taxado.
Offshores
A nova tributação das offshores será aplicada a um leque maior de entidades mantidas no exterior. A regra que muda a cobrança com base no regime de caixa (quando há distribuição de lucro ou dividendos) para regime de competência (cobrança periódica, independentemente da distribuição) também valerá para sociedades empresariais, fundos de investimentos e outras entidades baseadas em cotas.
“Essa equiparação de offshore com outras estruturas jurídicas é para estender a aplicação da nova tributação e afastar a possibilidade de fugir do tributo por meio de outros investimentos internacionais”, diz Leal.
Para o advogado, esse foi um ajuste importante. Segundo ele, a legislação tributária tem uma especificidade que não permite o uso de analogias para a aplicação da lei. Se não está previsto com toda a descrição no texto da norma, não há enquadramento possível.
Além disso, o texto altera o patamar da renda ativa própria (recursos obtidos com a atividade da pessoa jurídica) necessária para as sociedades no exterior se enquadrarem às regras. Se a renda própria é menor do que 60% da renda total, a sociedade se enquadra na nova regra. Anteriormente, o valor de corte era 80%.
Também ficou definido que poderá haver dedução de impostos pagos no exterior, desde que em países com os quais o Brasil tem acordos internacionais contra a bitributação ou de reciprocidade de tratamento.
“Este é um trecho que confirma a manutenção dos tratados internacionais. Em caso de paraísos fiscais, que têm tributo zero ou muito baixo, a diferença terá que ser paga no Brasil”, diz Eduardo Maciel, sócio da área Tributária do MFBD Advogados. “Pode deduzir se já pagou algum valor, mas terá que pagar a diferença se a alíquota for inferior a do Brasil. E a dedução não pode resultar em restituição de imposto.”
Trust
A regulamentação de trusts já tinha avançado na definição dos participantes do acordo e da sua natureza para organização e sucessão patrimonial. Com os ajustes, foram acrescidos mais detalhes.
O texto especificou o trust “irrevogável” e prevê a transmissão de patrimônio pelo instituidor do acordo nesses casos — situação em que o instituidor deixa de ser proprietário dos bens transferidos em favor da administração do trust (trustee).
Pela nova regra, a distribuição pelo trustee ao beneficiário terá natureza jurídica de transmissão de patrimônio pelo instituidor para o beneficiário, seja por herança ou em doação, se ocorrida com o instituidor ainda em vida.
“Com essa previsão, abre espaço para uma leitura de doação e cobrança de imposto pelos estados, não mais pela União”, diz Leal. “Como deixa em aberto essa questão, não descarto a possibilidade de casos de judicialização. Ainda é necessário mais esclarecimentos.”
Tramitação em plenário
Após aprovação pela comissão mista, a MP 1.172/23 deve passar pela Câmara e pelo Senado até o dia 28 de agosto para, então, ser sancionada pelo presidente e se tornar lei.
Os advogados Maciel e Leal veem boas chances do texto ser aprovado, principalmente após ser incorporado pela medida provisória que trata da mudança do salário mínimo e do aumento da isenção de Imposto de Renda.
“Os temas da MP 1.172 são de interesse nacional e fez a MP 1.171 ganhar relevância para todos os envolvidos ao juntar os textos”, diz Leal. “Não vejo chances do Congresso atrasar essa discussão e sofrer as críticas de não aprovar o novo salário mínimo.”
Em relação ao texto da tributação para o exterior em si, Maciel afirma que os ajustes trouxeram esclarecimentos importantes e, do ponto de vista de conformidade tributária, está mais fechado e “redondo” para ser aprovado.
“Foram mudanças razoáveis e oportunas”, diz Maciel. “É uma tributação que faz sentido neste momento em que se busca aumentar a arrecadação, porque faz isso sem onerar a cadeia de consumo.”
Para Leal, há poucas chances de alterações no que foi proposto até aqui. “A tributação no exterior não está entre os pontos mais polêmicos de mudanças no Imposto de Renda. Temos tópicos maiores como os dividendos e o JCP, por exemplo”, diz.