A estreia de ETFs de bitcoin nos EUA coloca a plataforma cripto Coinbase no centro do momento mais importante até agora para a adoção do token digital pelo setor financeiro tradicional. No entanto, o que pode parecer uma posição invejável também cria uma série de riscos para a plataforma e seus parceiros.
Os primeiros fundos negociados em bolsa que investem diretamente em bitcoin começaram a ser negociados na semana passada depois que a SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA, finalmente aprovou pedidos de várias empresas de investimento, incluindo pesos pesados como BlackRock e Franklin Templeton. Os lançamentos são considerados um passo importante na adoção mais ampla da maior criptomoeda do mundo.
A maioria destes emissores de ETFs dependerão da Coinbase para o funcionamento de seus fundos de uma forma ou de outra, com a bolsa de ativos digitais oferecendo serviços de custódia, negociação e empréstimo à BlackRock e outros.
No entanto, mesmo que a Coinbase tenha a ganhar com a entrada do Bitcoin nos mercados tradicionais, alguns consideram que a bolsa fica exposta a uma concentração de riscos potencialmente perigosa. Além disso, a concorrência destes fundos com tarifas reduzidas para quem quer investir em Bitcoin representa uma ameaça à receita de plataforma de negociação da Coinbase.
“Por definição, a infraestrutura do nosso mercado financeiro é segregada em diferentes funções”, disse David Schwed, diretor de operações da Halborn, uma empresa de segurança de blockchain. “Quando você tem uma entidade responsável por todo o ciclo de vida das negociações, acho que isso causa preocupações.”
As múltiplas funções da Coinbase são uma preocupação fundamental da própria SEC, envolvida em uma batalha jurídica com a empresa depois de acusá-la em junho de administrar uma bolsa, corretora e câmara de compensação não registradas para tokens que o órgão regulador considerava títulos. A Coinbase contestou as acusações, alegando que a SEC está ultrapassando seus limites.
Ao anunciar as aprovações dos ETFs na quarta-feira passada, o presidente da SEC, Gary Gensler, deixou claro que a agência reguladora não está endossando nenhum dos acordos dos fundos, nem “aprova ou endossa plataformas ou intermediários de negociação de criptomoedas, que, em sua maioria, não cumprem as leis federais de valores mobiliários e muitas vezes apresentam conflitos de interesse. ”
Samara Cohen, chief investment officer of ETF and Index Investments for BlackRock Inc, center, and Emilie Choi, president and chief operating officer of Coinbase, center right, ring the opening bell Thursday at the Nasdaq MarketSite in New York
A Coinbase, que já é a maior custodiante de criptomoedas do mundo, é a escolha mais popular para serviços de custódia entre os novos ETFs de Bitcoin.
“Definitivamente, há risco de concentração por causa de tantas empresas que usam a Coinbase como custodiante de criptomoedas”, disse Dave Abner, diretor da Dabner Capital Partners, uma consultoria de ETFs. “Mesmo que isso não seja um problema para a SEC, para mim parece um risco desnecessário para os investidores e estou surpreso que uma configuração de custódia múltipla não seja exigida dos emissores, apenas para proteção contra problemas imprevistos. ”
Alesia Haas, diretora financeira da Coinbase, disse que a empresa trabalha “diligentemente para evitar conflitos de interesses” e que a estrutura do mercado de títulos tradicionais pode não ser adequada para criptomoedas. Um porta-voz acrescentou que o negócio de custódia da Coinbase “não está em questão no nosso caso com a SEC”.
A Coinbase é atualmente o único agente comercial da BlackRock, que comprará e venderá Bitcoin para seu ETF através do Coinbase Prime. E seu negócio de empréstimos, uma parte menor da organização, é mais uma engrenagem crítica para os ETFs de Bitcoin. Emissores como a BlackRock podem tomar emprestado Bitcoin ou dinheiro da Coinbase para negociações de curto prazo.
Mas a capacidade de financiamento da Coinbase poderia criar um gargalo.
Brett Tejpaul, chefe da Coinbase Institutional, disse que a Coinbase oferece serviços agrupados de custódia, negociação e financiamento para fornecer um processo contínuo. Os clientes que utilizam fornecedores diferentes podem acabar introduzindo mais riscos, acrescentou.
Alguns clientes atuais podem começar a comprar Bitcoin por meio de ETFs em vez de através da Coinbase — que cobra taxas de negociação mais altas. Mesmo que não o façam, Dan Dolev, analista sênior de fintechs do Mizuho, diz que as baixas tarifas de gestão dos ETFs provavelmente levarão à compressão de tarifas em todo o mercado cripto, inclusive para a Coinbase.
Haas, da Coinbase, disse que não espera ver pressão nas tarifas de negociação imediatamente após a chegada dos ETFs de Bitcoin, embora a empresa possa enfrentar compressão de taxas no longo prazo. “Acreditamos que os ETFs spot vem se somar ao mercado cripto e à Coinbase”, disse Greg Tusar, chefe de produtos institucionais da Coinbase.
As tarifas de custódia são muito mais baixas do que as tarifas de negociação e ainda podem cair mais à medida que a concorrência aumente.
Para alguns, o fato de a Coinbase ser uma empresa de capital aberto, muito mais regulamentada do que muitas outras, é uma vantagem — e isso pode atrair mais negócios no longo prazo. Matt Hougan, diretor de investimentos da Bitwise, disse que sua empresa escolheu a Coinbase para custódia porque a empresa é “a maior e mais estabelecida”.
“Eles querem que seus clientes se sintam tão confortáveis e confiantes negociando na Coinbase quanto estariam na Nasdaq”, disse Campbell Harvey, professor de finanças na Duke University.
Por enquanto, a Coinbase está aproveitando seu momento de vitória. Quando os ETFs de Bitcoin estrearam na quinta-feira, o clima estava animado no elegante escritório da empresa em Nova York, localizado em Hudson Yards, no lado oeste de Manhattan. “Nenhum de nós dormiu”, disse Emilie Choi, diretora de operações da Coinbase. “Estávamos muito entusiasmados.”
Resta saber se esse burburinho continua.
Fonte: Valor Econômico