Diferentemente do mercado de ativos de risco tradicional, o ecossistema cripto depende de uma “conjunção astral” mais complexa, para além do cenário macroeconômico, para tomar um caminho de recuperação.
Nesse sentido, a sinalização do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de um provável início de cortes na taxa de juros deve impulsionar a procura, principalmente, por bitcoin, mas outros fatores farão a diferença para consolidar o chamado “verão cripto”.
Após o rigoroso “inverno cripto” ocorrido em 2022, com queda vertiginosa do preço do bitcoin, inúmeras falências de empresas criptonativas e uma crise generalizada de credibilidade, 2023 marcou uma “primavera” no ecossistema. O bitcoin, maior representante do segmento, marcou uma valorização de 160% no ano passado.
Além da melhora no ambiente macro para os ativos de risco, o lançamento de ETFs (fundos de índice negociados em bolsa) com exposição direta a bitcoin – aguardado já para janeiro – deve atrair ainda mais investidores, tanto do varejo quanto institucionais. E, em meados do ano, o “halving” da cripto também deve impulsionar os negócios. O halving é um processo que reduz pela metade a emissão de novos tokens. Como reza os princípios econômicos, a mesma demanda, com menos oferta resulta em aumento de preços.
No ambiente macro, Dan Yamamura, sócio e fundador da Fuse Capital, destaca que já se vislumbra “claramente que estamos próximo do fim de apertos monetários em todo o mundo, com muitos movimentos voltados à redução de juros, inclusive com alguns países já em um momento de afrouxamento monetário.”
Para ele, 2024 vai ser um período em que o mercado também vai se aproveitar das evoluções que ocorreram ao longo de 2023, como a maior confiança e maturidade em relação às infraestruturas em blockchain para o mercado financeiro. “A infraestrutura de hoje já está pronta para uma série de evoluções em serviços e produtos financeiros, mas ainda não existe uma regulamentação específica para tornar esses produtos e serviços escaláveis”, pondera.
Para Marcos Viriato, presidente da Parfin, fintech especializada em infraestrutura blockchain, a introdução dos ETFs e o halving do bitcoin serão catalisadores significativos para um impulso de alta no mercado. “Esses eventos tendem a atrair mais investidores e aumentar a adoção das criptomoedas, contribuindo para um cenário de valorização.”
Viriato também aponta o fim do aperto das políticas monetárias globalmente, com vários países direcionando esforços para diminuir as taxas de juros, como o próprio Brasil e também os Estados Unidos. “Diante desse panorama, acreditamos que os investidores terão um apetite crescente por ativos mais arriscados. No entanto, a preferência dos investidores ainda é incerta, em função da própria dinâmica do mercado cripto.”
O presidente da Parfin ressalta que, “embora 2024 seja considerado um ano de construção, em que veremos progressos importantes, a verdadeira explosão de adesão está prevista para 2025”.
“Será em 2025 que testemunharemos um aumento substancial na implementação e experimentação prática dos ativos digitais. Já o ano de 2026 está sendo antecipado como aquele em que o efeito será sentido de maneira notável e rápida, semelhante à rápida adoção que experimentamos com o Pix, no Brasil”, afirma.
Em relatório sobre as principais teses para 2024, a equipe do Mercado Bitcoin destaca a regulação e a depuração do mercado, além do halving e a tão aguardada aprovação do primeiro ETF à vista de bitcoin.
“Em 2024, veremos uma combinação de elementos positivos que raramente acontece nos mercados. No caso do bitcoin, teremos a soma de aumento na demanda, com os ETFs à vista e com queda na oferta por causa do halving. É difícil ir contra a lei de oferta e demanda”, pontua André Franco, analista-chefe do Mercado Bitcoin.
A entrada de instituições financeiras, como a BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, pode elevar o fluxo para bitcoin entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões, nas primeiras quatro semanas após a aprovação de seu ETF de bitcoin, calcula a equipe de pesquisas do Mercado Bitcoin.
Os analistas avaliaram o comportamento de preços do BTC, nos últimos dois ciclos de halving, e identificaram que a criptomoeda quebrou seus recordes anteriores de preço num intervalo entre seis e sete meses, após a redução na mineração. Com isso, o BTC pode superar os US$ 70 mil até outubro de 2024.
Dando continuidade à tendência de tokenização de ativos reais, a equipe de análise do MB estima que a capitalização desse segmento atinja US$ 6 bilhões, até o fim de 2024. “A tokenização de ativos reais é um mercado praticamente infinito, por permitir o fracionamento de bens que eram inacessíveis até então a investidores não qualificados”, observam os analistas. A tokenização nada mais é do que permitir a negociação de um determinado ativo que é “dividido” em muitas frações, que são negociadas separadamente.
O MB avalia que esse mercado ganhe maior tração, “com destaque para 2027 e 2028”, à medida que a regulação ficar mais clara, atraindo assim investidores institucionais.
“Grandes investidores e corporações estão adotando cripto em um ritmo acelerado, alinhando-se às condições de mercado para uma “fase institucional”, conforme cripto se integra cada vez mais aos sistemas financeiros tradicionais”, reforça Samir Kerbage, diretor da Hashdex.
“As tecnologias subjacentes que impulsionam o uso dos principais criptoativos continuam a se desenvolver e avançar, ajudando a escalar redes e potencialmente alcançar bilhões de novos usuários”, aponta Kerbage.
O outro lado da moeda
Segundo a equipe do MB, a esperada valorização dos criptoativos em 2024 “também deve fazer atiçar ainda mais a cobiça de um gigante que não dorme nunca: os hackers”. Eles calculam que 2024 pode bater 2022, quando houve um recorde de US$ 3,8 bilhões em ataques cibernéticos envolvendo criptoativos. “A cifra pode chegar a US$ 4 bilhões, com uma média de 22 ataques por mês.”
“À medida que a indústria de criptomoedas e a adoção crescem, as ameaças cibernéticas também se tornam mais sofisticadas”, reforça Javier Andrés, coordenador de Marketing da fintech de monitoramento VAAS. “Em 2024, podemos esperar um aumento significativo nas medidas de segurança dentro do espaço das criptomoedas.”
Andrés alerta que projetos de blockchain e exchanges “devem e vão investir em infraestrutura de segurança robusta, implementando técnicas avançadas de criptografia e soluções de armazenamento descentralizadas para proteger os ativos dos usuários”.
“O compromisso da indústria em aprimorar a segurança será fundamental para manter a confiança dos usuários, tanto institucionais quanto individuais. Essa tendência reflete a necessidade crescente de proteger os ativos digitais em um ambiente em constante evolução”, ressalta Andrés.
Fonte: Valor Econômico