Com intenção de se listar na Bolsa de Nova York há mais de uma década, a JBS vem enfrentando novos desafios para alcançar seu objetivo. A multinacional brasileira que é a maior produtora de proteína animal do mundo (o que inclui carne bovina, ovina, suínos, aves e peixes) já adiou esse plano algumas vezes, seja por escândalos de corrupção ou crises econômicas. Agora, se depara com uma série de movimentos liderados por políticos e lobistas no exterior que a acusam de causar danos ambientais, estar envolvida em casos de corrupção e que, portanto, não deve ter acesso ao mercado de capitais americano para se expandir. Ainda encara uma acusação de greenwashing da procuradoria-geral de Nova York.
Hoje, a companhia tem suas ações negociadas apenas na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, na qual fez sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) em 2007. A intenção é fazer uma dupla listagem de ações para poder comercializar seus papéis simultaneamente aqui e no mercado americano, o que pode lhe abrir caminho para capital mais barato.
Em nota, a empresa afirmou que a dupla listagem vai aumentar “ainda mais o escrutínio da já robusta governança da JBS, aderindo aos padrões da Securities and Exchange Commission (SEC) e da Bolsa de Valores de Nova York (Nyse)”. O grupo também rebateu as acusações de contribuir para o desmatamento e provocar danos ambientais. “Há quase 15 anos, a JBS monitora diariamente seus mais de 70 mil potenciais fornecedores de bovinos em todo o País. Por meio de imagens de satélite e consulta a listas públicas oficiais, são constantemente verificados critérios como desmatamento ilegal, embargos ambientais, invasão de terras indígenas ou unidades de conservação e práticas análogas à escravidão. Atualmente, mais de 14 mil fazendas estão bloqueadas.”
Entre os movimentos internacionais que se colocam contra a dupla listagem estão os capitaneados por parlamentares dos Estados Unidos e do Reino Unido, além de um batizado de “Ban the Batistas” (banir os Batistas, em português, uma referência aos irmãos Wesley e Joesley Batista, da família fundadora da companhia). Apesar de os financiadores do “Ban the Batistas” não serem conhecidos – a lei americana permite o anonimato em casos como esse – e, portanto, não se saber quais são os seus interesses, o movimento contratou um escritório de lobby em Washington para atuar contra a empresa brasileira.
Esses movimentos ganharam força neste ano. Em janeiro, 12 parlamentares do Reino Unido, de diferentes partidos, mandaram uma carta à comissão de valores mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês, o órgão que regula o mercado mobiliário americano) em que “imploram para que o pedido de IPO da JBS seja rejeitado” e que, assim, seja enviada uma “mensagem clara de que os EUA permanecem firmes em seu compromisso de combater às mudanças climáticas”. No Reino Unido, a JBS atua por meio da marca Pilgrim’s Pride Corporation, que detém ali unidades de processamento de suínos e aves.
O problema central da JBS apontado pelos políticos do Reino Unido é a criação de gado por seus fornecedores na região amazônica. Eles afirmam que a listagem da empresa em Nova York poderia resultar em uma alta do desmatamento.
Um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgado no ano passado mostrou que a JBS é a empresa de carnes mais exposta a risco de desmatamento na região. Como a companhia é a que tem o maior número de frigoríficos na Amazônia, ela já é naturalmente mais exposta ao risco. Nos últimos anos, no entanto, o grupo falhou no monitoramento de seus fornecedores indiretos. O levantamento do Imazon mapeou todos os frigoríficos da Amazônia, o total de hectares devastados entre 2008 e 2021 nas áreas em que essas empresas compram gado e o risco de desmatamento futuro.
Ambientalista e ex-ministro de Energia, Clima e Meio Ambiente do Reino Unido, Zac Goldsmith foi um dos signatários da carta. Questionado pelo Estadão sobre por que ele assinou o documento e se achava que a listagem da JBS nos EUA teria impactos no seu país, Goldsmith afirmou, por e-mail, que a empresa está “profundamente envolvida em desmatamento desenfreado e danos ecológicos”.
“Além de prejudicar as pessoas que vivem e cuidam das florestas, (a JBS) está contribuindo para um colapso na biodiversidade e causando considerável dano ao planeta que compartilhamos. Seus negócios, portanto, são de interesse de todos, razão pela qual eu e vários parlamentares de diferentes partidos políticos escrevemos uma carta instando a SEC a negar o pedido de IPO da JBS”, afirmou o membro da Casa dos Lordes. Conhecido como Lorde Goldsmith de Richmond Park, o político faz parte do Partido Conservador e é próximo à família real.
Nos EUA, senadores também enviaram em janeiro uma carta ao presidente da SEC, Gary Gensler, em que dizem que a “aprovação da proposta de listagem da JBS sujeitaria os investidores dos EUA ao risco de uma empresa com um histórico de corrupção flagrante e sistêmica, e ainda consolidaria seu poder de monopólio”. Entre os 15 senadores que assinaram o documento estão o democrata Bernie Sanders e o republicano Marco Rubio.
A JBS atua nos EUA desde 2007, quando comprou a processadora de carnes Swift & Company. Desde então, foi expandindo sua atuação no exterior por meio de outras aquisições. Em 2022 (o último com resultados divulgados), os EUA geraram 49% da receita do grupo – para comparação, o Brasil foi responsável por 14% . Nesse mesmo ano, a companhia teve uma receita líquida de R$ 374,9 bilhões. Só a área de negócios de carne bovina da empresa na América do Norte (que inclui também operações no Canadá) tem dez unidades de processamento e seis de logística.
Ação nos EUA
Não bastasse as cartas enviadas à SEC, o embate contra a JBS teve novo capítulo no fim de fevereiro, quando a procuradoria-geral de Nova York entrou com uma ação contra subsidiárias americanas da JBS por elas supostamente fazerem afirmações enganosas sobre suas metas de emissão de gases de efeito estufa para aumentar as vendas entre os consumidores ambientalmente conscientes. No processo, a procuradora Letitia James alega que a empresa afirmou que vai zerar emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2040, apesar de não ter um plano viável para cumprir o compromisso.
O processo virou alvo de um editorial do Wall Street Journal publicado em 15 de março. No texto intitulado “O Modelo de Negócios Anti-Empresarial de Letitia James”, o jornal afirma que a procuradora processa empresas por “fazerem negócios que ela (Letitia James) não gosta”. “Seu processo contra a JBS também ilustra como a esquerda planeja explorar a regra de divulgação de informações climáticas proposta pela SEC. As empresas serão obrigadas a relatar suas emissões publicamente, o que as abrirá para processos de advogados e políticos por alegadas representações falsas. Que golpe.”
Em relação ao processo, a JBS disse “respeitosamente” discordar da ação. “Continuaremos a fazer parcerias com agricultores, pecuaristas e outras partes interessadas em prol de um futuro mais sustentável para a agricultura, que utilize menos recursos e reduza o impacto ambiental, ao mesmo tempo que alimenta uma população global crescente.”
Ainda que seja polêmico, o processo pode dificultar a dupla listagem da JBS. A pesquisadora Tamara Brezighello, da FGV Direito, destaca que as Bolsas de Valores estrangeiras têm elevado as exigências socioambientais para companhias de capital aberto.
O analista de empresas Andreas Ferreira, da gestora Mantaro Capital, vai na mesma linha. “Não vou julgar se a acusação é correta ou não, mas é fato que ela impacta na relação entre empresa e investidores e pode atrapalhar a listagem lá fora. O investidor gringo é mais sensível ao tema ESG do que o brasileiro.”
Ferreira pondera que, no Brasil, a dupla listagem é bem vista no mercado. Isso porque ela pode aumentar o acesso da JBS a diferentes investidores e reduzir o custo de capital para a companhia.
‘Banir os Batistas’
O “Ban the Batistas” foi lançado nos EUA em novembro do ano passado para “bloquear o plano da JBS de se listar na New York Stock Exchange (Nyse)”, segundo afirmou, por e-mail, sua diretora executiva Kimberly Spell. “Vimos o coro de grupos independentes de agricultura, meio ambiente e governança, que estavam se manifestando e soando o alarme sobre os riscos de um IPO da JBS, e nos unimos a eles”, escreveu Spell.
Em janeiro, o “Ban the Batistas” apresentou documentação para o Congresso americano registrando que o escritório Actum fará seu lobby em Washington contra a listagem da JBS. Além de diretora do “Ban the Batistas”, Spell é vice-presidente da Actum. Ela se apresenta como “ex-porta-voz do vice-presidente e ambientalista Al Gore” e responsável pela campanha dele quando candidato à Presidência.
A lobista afirmou que, como o “Ban the Batistas” é uma organização “501-C4″, não é obrigada a divulgar quem são seus financiadores. Nos EUA, organizações de lobby podem ser classificadas como sendo de bem-estar social e se enquadrar nessa classificação da Receita. Questionada se o movimento tem intenções de proteger o mercado americano da concorrência estrangeira, Spell afirmou que o objetivo do “Ban the Batistas” é proteger consumidores, investidores e “nossos mercados de dois irmãos condenados, com um histórico de corrupção”.
Segundo ela, o movimento é contra a listagem da empresa nos EUA por acreditar que pessoas “responsáveis por esquemas de suborno” não devem ser “recompensadas por seu comportamento notoriamente ruim” e que o acesso da JBS ao mercado acionário americano serviria ao interesse dessas pessoas. “A JBS é uma empresa com uma longa história de violações federais, má conduta corporativa e abusos aos direitos humanos. Esse tipo de empresa não deveria ter acesso irrestrito aos mercados de capitais dos EUA.”
Ainda de acordo com a lobista, a listagem da JBS em Nova York pode prejudicar os americanos porque resultaria em uma maior concentração do mercado de carne dos EUA. Isso aumentaria os preços nos supermercados e ameaçaria o sustento dos pequenos produtores, diz.
A JBS, por sua vez, destacou que que a dupla listagem “vai criar valor para a companhia, para seus mais de 270 mil colaboradores em todo o mundo, para as comunidades em que atua, para seus investidores e demais stakeholders (pessoas ou organizações afetadas por uma empresa)”. Disse também ter “total comprometimento com a sua responsabilidade de produzir de forma sustentável” e que “stakeholders genuinamente interessados no desenvolvimento e crescimento da companhia e de toda a sua rede de valor apoiam a listagem das ações da JBS em Nova York”.
Fonte: Estadão