Os dados da inflação americana divulgados na semana passada reduziram drasticamente a probabilidade de os juros nos Estados Unidos começarem a cair tão cedo. Uma inflação acima do esperado abalou os mercados globais na quarta-feira (10). O Consumer Price Index (CPI) avançou 3,5 por cento nos 12 meses até março. O resultado ficou acima dos 3,2 por cento observados nos 12 meses até fevereiro e foi superior aos 3,4 por cento esperados.
Já o núcleo do CPI (que exclui os preços mais voláteis dos alimentos e da energia) subiu 3,8 por cento, em linha com a observação de fevereiro e acima dos 3,7 por cento esperados. Porém, outro ponto de preocupação foi um indicador menos conhecido, o “super núcleo” da inflação.
O “núcleo” do CPI não considera os preços de alimentos e de energia, mais voláteis e sujeitos a ruídos de curto prazo. O “super núcleo” é ainda mais estrito. Exclui também os itens relacionados a moradia e aluguéis. Esse índice proporciona uma visão mais detalhada das pressões subjacentes sobre os preços, especialmente nos serviços, e oferece informações sobre tendências mais amplas da inflação, para além das flutuações temporárias em setores específicos.
O que o “super núcleo” mostra não é positivo. Nos 12 meses até março, esse indicador mostrou uma alta de 4,8 por cento nos preços. E quando se anualiza o acumulado dos últimos três meses do “super núcleo”, o resultado é uma variação elevada de 8 por cento. Isso é quatro vezes mais que a meta de 2 por cento do Federal Reserve (FED), o banco central americano. Essa cifra acendeu todos os alertas vermelhos em Wall Street na quarta-feira (10), e as consequências ainda estão sendo avaliadas.
A aceleração recente dos preços de serviços sublinha a pressão inflacionária contínua e ascendente. Essa alta tem sido impulsionada principalmente pelo aumento dos custos dos serviços. Para piorar, os itens cujos preços têm subido de maneira mais resiliente são essenciais: automóveis e imposto territorial urbano, entre outros. Ou seja, preços que são menos influenciados pelo aumento ou pela redução dos juros.
Há tempos que os investidores temem uma perda de eficácia da política monetária. Fazendo uma comparação médica: uma dosagem do medicamento abaixo do indicado não cura o doente. E, pior, favorece o desenvolvimento de bactérias ou vírus resistentes, o que torna o tratamento ainda mais difícil.
Na economia americana atual, os “vírus” inflacionários são muitos: alimentos, combustíveis, habitação, salários, impostos. E o “super núcleo” mostrou que há “vírus” que não são afetados pelo único antibiótico existente, a alta dos juros. Por isso Jerome Powell, presidente do FED, vem afirmando que a política monetária será definida a partir dos dados. E os dados mostram com precisão uma economia que “ignora” os juros elevados e onde os preços seguem subindo acima da meta estabelecida pela autoridade monetária.
O motivo é simples: Os preços seguem subindo de maneira consistente, pressionados pelo mercado de trabalho aquecido e pelo dinamismo econômico. O capital injetado na economia durante e imediatamente após a pandemia segue circulando e movimentando os negócios. E isso impede uma queda sustentada dos preços.
Por isso, a alta do CPI tornou claro que, apesar do otimismo do primeiro trimestre, a percepção de que o FED estava vencendo a batalha contra a inflação foi um equívoco. O mais provável é que os preços sigam subindo por mais tempo, o que deve postergar o início do afrouxamento da política monetária.
O que esperar para os juros? Nas declarações do primeiro trimestre, especialmente na reunião de 19 e 20 de março, Powell sinalizou que poderia haver três cortes de 0,25 ponto percentual neste ano, baixando os Fed Funds (a Selic americana) dos atuais 5,25 a 5,50 por cento para uma faixa entre 4,50 e 4,75 por cento ao ano até dezembro.
No entanto, à medida que foram sendo divulgados indicadores de mercado de trabalho aquecido e economia americana em crescimento, o cenário mais provável passou a ser de dois cortes de taxas, com os Fed Funds iniciando 2025 na faixa entre 4,75 e 5,00 por cento ao ano.
Agora não se descarta a hipótese de que comecem a ser divulgados relatórios reduzindo o número esperado de cortes de juros a uma única redução, em algum momento do segundo semestre. Powell já deixou essa hipótese em aberto, dizendo que o FED não está comprometido com nenhum cronograma para o corte das taxas. Os demais diretores do Federal Open Market Committee (Fomc) têm verbalizado as mesmas ideias. Ou seja, se não houver alívio sobre os preços, nada impede que os juros só comecem a cair em 2025.
Quais as consequências para os investidores? No caso americano, a preferência são títulos indexados à inflação e ativos imobiliários, que pagam rendimentos. Além disso, há um potencial de valorização desses títulos, com ganho de capital.
Para o investidor global (incluindo os brasileiros e brasileiras cujo dinheiro vai além das fronteiras), as commodities tendem a subir de preço, pois são uma proteção clássica contra a inflação. Isso é especialmente verdadeiro para o ouro, mas também ocorre com petróleo e commodities minerais e grãos.
E por aqui? A princípio, um juro americano mais alto e por mais tempo não é bom. Taxas altas atraem investidores para os Estados Unidos, o que tende a drenar recursos de outras praças e a provocar uma apreciação do dólar em relação às demais moedas, real incluído.
Artigo por Enrico Cozzolino