O mercado de crédito privado tem se consolidado como um dos principais atrativos para gestores e investidores. Pela primeira vez, os FIDCs superaram os fundos de ações em patrimônio líquido. Ao final de 2024, os FIDCs acumulavam R$ 589 bilhões em patrimônio, o que representa um crescimento de 32,6% em relação a dezembro de 2023, quando somavam R$ 444 bilhões. Em contrapartida, os fundos de ações registraram queda de 6,9% no mesmo período, encerrando o ano com R$ 584 bilhões em patrimônio, contra os R$ 628 bilhões do ano anterior.
A tendência também se reflete nos fluxos de captação. Em 2024, os fundos de ações apresentaram saldo negativo de R$ 10 bilhões, enquanto os FIDCs captaram R$ 113 bilhões, quase triplicando os R$ 40 bilhões registrados em 2023. Este desempenho colocou os FIDCs como a segunda classe de fundos mais procurada no ano, ficando atrás apenas dos fundos de renda fixa. O retorno do ciclo de aperto monetário trouxe desafios à renda variável, tornando os ativos mais arriscados menos atrativos. Simultaneamente, a maior busca por renda fixa pressionou as taxas de retorno em categorias tradicionais, como títulos de alta qualidade ou de curto prazo. “A migração de recursos da renda variável para o crédito privado gerou um excesso de oferta de capital que comprimiu as taxas de retorno de alguns papéis”, explica Volnei Eyng, CEO da Multiplike.
No entanto, além das condições econômicas, há uma transformação estrutural em curso. O crédito bancário vem perdendo espaço para o mercado de capitais. Atualmente, 76% do crédito está concentrado em bancos, enquanto 24% pertence ao mercado de capitais, por meio de instrumentos como debêntures, FIDCs, CRIs e CRAs. Segundo João Peixoto, CEO da Ouro Preto Investimentos, essa proporção pode se inverter nos próximos 15 anos. “O mercado de dívida tem dimensão muito superior ao mercado acionário. Enquanto o free float da B3 gira em torno de R$ 2,5 trilhões, o mercado de crédito está entre R$ 20 trilhões e R$ 30 trilhões. Esse número tende a crescer significativamente”, destaca Peixoto. Ele projeta que os FIDCs podem representar 11% da indústria de fundos até 2030, contra os atuais 4,7%.
A nova regulamentação implementada pela CVM por meio da Resolução 175, em vigor desde novembro de 2024, foi determinante para o avanço dos FIDCs. Uma das principais mudanças permite que esses fundos adquiram cotas de outros FIDCs, ampliando sua flexibilidade. Além disso, a isenção do come-cotas é um diferencial significativo. Enquanto fundos multimercados e de renda fixa sofrem tributação semestral de 15% a 20%, os FIDCs são tributados apenas no resgate, com alíquota de 15%. “O atrativo não está na isenção, mas no fato de que o montante do come-cotas continua rendendo até o momento do resgate”, pontua Eyng.
Os FIDCs também são valorizados por sua versatilidade e simplicidade operacional. De acordo com Eyng, eles oferecem rapidez na estruturação, diversidade de riscos e liquidez adaptada às necessidades dos investidores, com prazos de resgate que variam entre 20 dias e 10 anos. “Tudo que é vendido a prazo pode gerar um recebível, que, por sua vez, pode ser adquirido por um FIDC”, explica. A Multiplike, por exemplo, possui três FIDCs voltados ao financiamento de médias e grandes empresas, com destaque para os setores industrial, agropecuário e de construção civil. Peixoto complementa: “No passado, apenas instituições financeiras podiam conceder crédito. Hoje, com os FIDCs, empresas como o iFood criaram alternativas rápidas e eficientes para financiar seus parceiros. Enquanto um banco pode levar dois anos para ser constituído, um FIDC pode ser estruturado em uma semana”.