Uma das maiores fabricantes de bonés do mundo, a New Era tem um plano bem “brasileiro” para o crescimento dos negócios. A companhia fundada em 1920, que ficou conhecida mundialmente pelos bonés do time de beisebol New York Yankees, vê no Brasil um papel estratégico para expandir os negócios na América Latina. Por aqui, a empresa, que tem parceria com as principais ligas esportivas americana – NBA (basquete), NFL (futebol americano) e MLB (beisebol), prepara uma expansão no varejo físico e no e-commerce, com a expectativa de alcançar a marca de 150 lojas até o fim de 2024. Atualmente, são 136 unidades.
O presidente global da companhia, Jim Grundtisch, diz, em entrevista ao Estadão, que o Brasil está no topo da lista de prioridades da companhia. Segundo ele, o País é responsável por mais de 50% do faturamento na região da América Latina, o que leva a empresa a focar seu crescimento por aqui no varejo direto para o consumidor final, e não mais na distribuição via canais secundários, como fazia no passado. “Nossa missão número 1 é trazer os clientes para as nossas lojas”, diz.
O executivo prevê um crescimento entre 9% e 10% na receita este ano na operação brasileira. Mas não revela qual é esse faturamento nem o investimento que será feito nesse plano de expansão.
Há 16 anos com operações no Brasil, a marca de bonés possui 12 lojas próprias (das quais nove são no modelo outlets, duas unidades “conceito” e um quiosque no shopping Cidade Jardim) e 124 franquias, além de 2,5 mil lojas multimarcas cadastradas com a revenda dos produtos da marca espalhadas pelo País.
Se no passado o negócio focava na distribuição para revendedores, agora, o plano é se conectar com o cliente final. O executivo conta que o projeto de expansão passa pela abertura de lojas “conceito”, que vendam, além de bonés, o “estilo de vida” da marca. “Nós vendemos o estilo de vida americano. Nós queremos expandir essa marca pelo Brasil e ampliar a experiência dela para os nossos clientes,” diz Grundtisch.
Dados da companhia apontam que a New Era produz cerca de 10 milhões de bonés por mês. Atualmente, a produção é feita majoritariamente na China e enviada para os demais 125 países em que a marca está presente.
Além do apetite do consumidor local pelos bonés, o potencial de consumo por outros itens da marca é um atrativo extra para investir no Brasil. O presidente de operações no Brasil, Artur Regen, conta que no País a venda de chapéus representa 50% do negócio da New Era, enquanto a outra metade se dá com o comércio dos demais itens do catálogo de moda. A título de comparação, a penetração dos bonés em outros mercados em que a varejista opera é de 80%. “As nossas peças de moda caíram no gosto do brasileiro. Nós queremos ser uma marca completa no País”, diz.
Regen conta também que, no Brasil, a expansão do catálogo de moda deve se dar por meio de parcerias com nomes tradicionais do mercado local, como o estilista Alexandre Herchcovitch, que retorna à chefia dos negócios depois de um hiato de quase dez anos e assina uma coleção para a marca.
O modelo de atacado representa hoje metade das vendas, enquanto a venda direta feita em lojas próprias e franquias são 40%. Com o avanço do varejo virtual, hoje, 10% dos produtos da New Era são comercializados via e-commerce, diz Regen.
Na avaliação de Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, a New Era cresceu no Brasil com um aspecto aspiracional dos produtos, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, onde a companhia atua massivamente no território de itens esportivos, devido a sua associação às ligas americanas de esportes. O consultor lembra que essa não é a primeira vez que a empresa usa o modelo de franquias para ganhar território no País, o que segundo ele, pode ser uma opção importante para acelerar esse crescimento no mercado local . “Eles estão expandindo, mas o boné ainda é o carro-chefe deles”, afirma.
Conexão com o País
Para a professora da ESPM e especialista em moda e mercado de luxo, Katherine Sresnewsky, o processo de expansão da New Era no Brasil passa por gargalos em relação à produção dos bonés – hoje feita totalmente na China-, integração do processo de franquias e principalmente, da conexão da marca com o público local, o que pode impulsionar, ou não, a marca para uma nova fase dos negócios no País.
A especialista explica que a categoria em que a New Era atua tem uma peculiaridade que atrai os concorrentes por causa da atemporalidade do produto, que não sofre com variações de estações, ou modismos, o que aumenta o valor agregado, sem o risco de que eles acabem ficando parados no estoque em uma transição de estação ou tendência. “Não tem verão e inverno, cor da moda, o boné do New York Yankees é igual há 100 anos. Você tem uma duração maior do item que é muito interessante como acessório para ser operado. Ele é um bom produto, porque dá visibilidade à marca e tem essa característica da temporalidade”, conta.
De olho nessa conexão, a New Era prepara o lançamento do seu programa de relacionamento com os clientes através de um aplicativo para celulares, que conecta os consumidores da marca pelo País. A expectativa é de que o programa de fidelidade traga benefícios exclusivos e experiências locais. “Essa será a forma de nos conectar com os nossos clientes e fãs”, diz o responsável pelas operações no Brasil, Regen.
Falsificação no mercado doméstico
Assim como outros nomes do mercado que investiram na expansão dos negócios no Brasil – como Oakley, Quiksilver e Lacoste -, a New Era também se transformou em um alvo para as falsificações de produtos, comercializados ilegalmente pelo País.
Em uma reportagem do jornal The New York Times, o principal boné da New Era, do New York Yankees, virou notícia pelo seu alto índice de falsificação no País, levando o boné com o clássico “NY” estampado à mão dos brasileiros, mas sem que boa parte desse público reconheça o produto como uma réplica de um item da New Era.
O diretor das operações no Brasil, conta que a “pirataria” é um problema antigo no Brasil para a companhia. No entanto, Regen afirma que de modo geral, o consumido que compra itens falsificado não é visto como um cliente em potencial para a marca. Segundo o e-commerce da companhia, um boné clássico da New Era é comercializado por volta de R$ 219, com preços que podem chegar a R$ 799. Já no comércio paralelo, bonés chegam a ser vendidos por até R$ 15.
Na avaliação de Katherine, da ESPM, o caso de pirataria dos itens da New Era acontece também por uma falta de construção de percepção de marca no Brasil, que por muitos anos agiu apenas como distribuidora do produto, mas agora vai ao varejo para vender ela mesma seus itens. “Tem esse ponto muito importante, a New Era não tem aqui essa percepção de marca tão bem construída e definida no Brasil. Eu diria que ela está sub posicionada no País”, diz.
Abertura de capital
Pessoas ligadas ao negócio falam da importância da operação brasileira para a companhia, que busca outras formas de crescer. Atualmente, o Brasil está entre os cinco maiores mercados com operações da New Era. Nos Estados Unidos, os movimentos recentes da empresa rumo a uma melhor governança e expansão dos negócios fora do país reacenderam as especulações de uma possível abertura de capital na Bolsa de Nova York.
Na visita ao Brasil, o presidente global da New Era apresentou ao mercado o novo vice-presidente para América Latina, David Pérez Padilla, que atuará no México, tocando as operações dos demais países da região. A avaliação de pessoas ouvidas pela reportagem é que a chegada de Padilha pode ser uma movimentação para melhorar a governança da companhia – ainda vista como familiar -, descentralizando os negócios e pavimentando o caminho para a abertura de capital.
Segundo uma reportagem recente da agência americana de notícias Reuters, interlocutores do mercado ligados à operação da New Era nos Estados Unidos falam da expectativa de captar de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões na estreia no mercado de capitais. O aporte serviria de fôlego para o projeto de crescimento da marca de bonés. Questionado sobre a possibilidade do IPO, Grundtisch é categórico na resposta: “Nós não comentamos as especulações do mercado.”
Fonte: Estadão