Depois do escândalo da Americanas, que entrou em recuperação judicial atolada em dívidas, no início de 2023, na semana passada foi a vez do Grupo Casas Bahia pedir recuperação extrajudicial. Ambas as empresas em situação complicada deixam o investidor brasileiro sem muitas opções para investir no varejo eletrônico nacional. Será que é hora de expandir os horizontes e investir nas ações dos grandes grupos internacionais do setor?
Para analistas do mercado financeiro, a estratégia faz sentido, pois são esses grupos que estão tomando a fatia do mercado das varejistas por aqui e avançando em diversos países. Um exemplo é a plataforma de varejo eletrônico de Cingapura, a Shopee, que chegou ao país em 2022 e, em apenas três anos, seu aplicativo assumiu a liderança em atividade de usuários em apps do varejo no Brasil, segundo dados coletados pela gestora Schroders.
O app é seguido pelo argentino Mercado Livre e a Amazon, gigantes do setor na América Latina e nos EUA, respectivamente. A distância entre a atividade de usuários nos três apps estrangeiros para as Casas Bahia e Americanas é relevante. Pablo Riveroll, diretor de renda variável para a América Latina e o Brasil da gestora britânica Schroders, explica que, sem a escala que esses grupos têm, é muito difícil concorrer.
Guilherme Belizzi Motta, estrategista de BDRs da corretora do Santander, reforça a ideia e define a concorrência de grupos internacionais como “desleal”. “O custo de capital é alto no Brasil, uma mazela dos juros altos. Os estrangeiros captam dinheiro mais barato em mercados internacionais. Eles são listados nos Estados Unidos, o que traz visibilidade”.
Eventualmente, as ações das empresas de varejo nacionais podem ser uma boa oportunidade de negociação cíclica. Isso porque, em momentos de corte dos juros, elas tendem a se beneficiar e podem entregar um bom retorno aos investidores, na visão de Mota. Mas, para investimentos de longo prazo, as empresas varejistas brasileiras perderam força, conclui.
“Os grandes grupos tendem a registrar uma execução superior ao longo do tempo. O comércio eletrônico, no futuro, será dominado por grandes grupos, que consolidarão o setor em uma região. No segmento, o ‘vencedor tende a levar tudo'”, conclui o estrategista.
Veja abaixo os argumentos a favor e contra investir nas ações do Mercado Livre, Shopee e Amazon:
Mercado Livre (MELI)
Fundado na Argentina e com sede no Uruguai, 40% da receita do Mercado Livre vem do Brasil, o que o torna a maior empresa de comércio eletrônico no país. Portanto, para Mota, do Santander, a plataforma é a mais beneficiada da crise que se abate sobre as varejistas brasileiras. Mesmo a Magazine Luiza, aponta, tem uma estrutura de capital mais frágil, e não consegue mais investir tanto quanto no passado.
O estrategista destaca a execução dos negócios da empresa. “O lucro do Mercado Livre vem subindo, assim como os resultados de seu segmento de publicidade. O que o coloca bem à frente da concorrência é especialmente a sua logística, com entregas no mesmo dia. Seus clientes são fiéis porque confiam que o prazo será cumprido”.
O Mercado Livre divulgou seus resultados do 1º trimestre na quinta-feira da semana passada. Para os analistas do BTG, apresentou “um forte desempenho apesar da exposição à Argentina”, permanecendo como sua principal escolha entre ações do setor.
Ainda vemos a plataforma como a vencedora no comércio eletrônico e pagamentos na América Latina. Portanto, enquanto permanecemos conservadores na exposição ao comércio eletrônico, o valor de seu ecossistema significa que vemos a ação à frente do grupo, com melhoria de rentabilidade.
Embora os resultados na Argentina, conforme esperado, tenham sido um destaque negativo, tendência que os analistas do banco acreditam que deva persistir nos próximos trimestres, manteve seu desempenho superior em comércio eletrônico em seus principais mercados em comparação com seus pares, reforçando sua vantagem competitiva como um ecossistema, que se fortaleceu nos últimos anos.
Amazon (AMZN)
Entre as três ações, Mota, do Santander, prefere as da Amazon, mas não por conta de sua tese do varejo. “O comércio eletrônico é apenas um pedaço da gigante, e não é o seu negócio mais rentável. O filé mignon é sua divisão de computação em nuvem, a AWS, no qual é líder de mercado, com 30% de participação. Já o seu segundo negócio mais rentável é a publicidade”.
Após os resultados do 1º trimestre divulgados pela Amazon, a corretora americana Oppenheimer aumentou o preço-alvo da ação de US$ 210 para US$ 220 (o papel encerrou o pregão de ontem a US$ 188,70) e reiterou a classificação de desempenho acima da média. Entre os motivos, cita o crescimento da AWS, combinado com uma alavancagem significativa em todos os segmentos.
Contudo, as projeções da empresa para o 2º trimestre sugerem uma perspectiva mais fraca para o comércio eletrônico, com a gestão citando possíveis ventos contrários aos consumidores na Europa. No entanto, os analistas estão mais confiantes de que no longo prazo a companhia possa melhorar as margens do consumidor por meio da redução do custo de serviço e da otimização das operações.
Shopee (SEA)
A plataforma de comércio eletrônico de Cingapura Shopee é uma fatia do grupo Sea, que tem três negócios: comércio eletrônico no Sudeste Asiático e países emergentes, jogos eletrônicos (é dona do jogo Free Fire) e serviços financeiros no Sudeste Asiático.
A Sea era uma empresa interessante para se investir até o seu negócio de jogos desacelerar no pós-pandemia, diz Mota, do Santander. “A divisão era a vaca leiteira que financiava o setor de comércio eletrônico. Desde então, sem esse financiamento, a Shopee vem perdendo tração e, até o seu último resultado, não dava lucro no Brasil”.
Como vai precisar focar em rentabilidade, no Brasil isso terá um custo, na visão do estrategista do Santander. “Acredito que a empresa vai perder fatia de mercado no país porque não poderá mais ser tão agressiva em relação a preços e promoções”.
Já os analistas do Goldman Sachs têm uma visão mais otimista e veem um cenário positivo para a ação, pois 2024 está sendo um ano de recuperação para os jogos, e o Free Fire “finalmente recupera a sua posição” no mercado.
“Os últimos indicadores apontam para uma contínua redução na competição no comércio eletrônico, o que fornece um ambiente propício para os investidores se sentirem confortáveis com o caminho da Shopee para atingir o ponto de equilíbrio até o segundo semestre de 2024”
Os analistas do banco de investimentos americano acreditam que o foco dos investidores no resultado do 1º trimestre deve ir além dos dados, e passar pela análise da administração sobre a sua estratégia de comércio eletrônico, o ambiente competitivo e as perspectivas de receita e lucro para o restante do ano”. O banco recomenda a compra da ação, apesar de ressaltar que no curto prazo pode haver volatilidade, já que não se sabe qual a extensão dos gastos da Shopee, e coloca um preço-alvo de US$ 82 para o papel. Ontem, a ação encerrou o pregão cotada a US$ 66, ou seja, podendo ter uma valorização consistente.
Fonte: Valor Investe