Ser sócio de uma empresa como acionista faz os olhos de muita gente brilhar, mas a ação nem sempre é o melhor ativo de uma companhia para os investidores. A mesma empresa pode emitir, além de ações, papéis de renda fixa com juros atrativos, como debêntures e “bonds”, como são chamados no exterior esses papéis. Para acertar a companhia, mas não errar o investimento, o conselho é alinhar a aplicação ao perfil de risco do investidor e analisar com calma as expectativas de remuneração.
As companhias emitem papéis de renda fixa ou de renda variável para se capitalizar e fazer os investimentos que necessitam. Os acionistas, ou seja, aqueles que compraram ações, ganham com o pagamento de dividendos, a parte do lucro das empresas distribuída aos acionistas, mais a valorização do preço da ação. Eles geralmente compram uma ação porque acreditam que a companhia em questão vai crescer e dar lucro, repartido com os sócios. Já os debenturistas ganham juros por emprestarem dinheiro para as empresas. Eles acreditam que as companhias terão capacidade de honrar o pagamento.
As ações não contam com um teto de remuneração. A valorização dos papéis e a distribuição de dividendos podem ser altas, mas o risco de perder o dinheiro investido ou mais também é grande. Já nas debêntures existe um limite de rendimento, que normalmente é um juro mais o CDI ou IPCA, e esse retorno é garantido para aqueles que continuarem investindo até o prazo de vencimento, se a companhia continuar saudável.
Quando a taxa oferecida pela debênture é maior, significa que o risco de a companhia não honrar com o pagamento da dívida é maior também. No entanto, muitas debêntures de empresas com risco de inadimplência baixo oferecem juros acima dos papéis do Tesouro Direto, que servem como referência.
O investidor deve avaliar caso a caso se compensa mais o risco de ser debenturista ou acionista. Antes de tudo, depende do perfil de risco do investidor, afirma Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos. Quem é mais conservador deve dar preferência às debêntures com boa classificação de risco. Já quem é mais arrojado pode considerar as ações. “São tribos de investidores diferentes. As ações são para os que aguentam mais risco e volatilidade. Já as debêntures são para os que procuram menos risco, em troca de uma remuneração já combinada”, diz Serra.
As ações compensam quando elas estão baratas e há muito potencial de valorização no preço do papel ou de pagamento de dividendos altos. Essa estimativa é incerta, porque o investimento é de renda variável, mas algumas contas permitem ter uma noção. Já as debêntures valem a pena quando os juros estão altos, mas a chance de a empresa não pagar o investidor é baixa. Às vezes o mercado de ações está devagar e a volatilidade está muito grande, mas no mercado de debêntures abre-se uma janela de oportunidade com juros altos.
Vinicius Romano, especialista em renda fixa da Suno Research, aconselha que os investidores com perfil de risco tenham um pouco de ações e um pouco de crédito privado, especialmente por meio de fundos de investimento. “As duas classes cabem em uma carteira. O mais importante é escolher com atenção o gestor do fundo, quem comprará os ativos de fato”’, afirma.
Como os bons gestores trabalham
Na Ibiuna Investimentos, os gestores de crédito e de ações da casa dividem o mesmo andar e costumam trocar figurinhas sobre as empresas, mas a avaliação dos ativos é separada. A análise que os gestores fazem é se compensa comprar os ativos e não as companhias, mas, para isso, eles fazem a avaliação das empresas, se elas geram caixa para pagar as dívidas aos debenturistas e ainda geram lucro para remunerar os acionistas. Acertar o ativo significa acertar na análise da empresa e do preço do papel, seja uma debênture ou uma ação.
“Quando temos a debênture nas carteiras, mas a ação não, não é porque a área de crédito da gestora acha que é boa a companhia e a área de ações acredita que a empresa é horrorosa. É que o preço da debênture está atrativo e o da ação não”, afirma André Lion, sócio e gestor de ações da Ibiuna Investimentos. “É o ativo que importa, sabendo quem é a companhia. A discussão sobre a empresa é a mesma, mas a análise se o ativo está barato ou caro é de cada equipe”, diz.
A ação e a debênture do Bradesco, da Localiza e da Petrobras estão nas carteiras dos fundos de ações e de crédito da gestora, por exemplo. Já a ação da Multiplan está nos portfólios, mas a debênture da empresa não. E vice-versa, a debênture da Braskem agrada, mas a ação não.
Eduardo Alhadeff, sócio e gestor de crédito da Ibiuna, afirma que a casa está mais cautelosa para escolher papéis de renda fixa nos últimos meses por causa da diminuição das taxas tanto no Brasil quanto no exterior. “Ao analisar o custo-benefício dos ‘bonds’ e das debêntures em geral, não estamos enxergando um super valor”, diz. “Às vezes não compensa comprar debêntures nem de empresas que são muito boas”, acrescenta.
Vivian Lee, sócia e gestora de crédito da Ibiuna também, aconselha que os investidores tomem muito cuidado com debêntures com taxas muito altas. “Se as taxas estão altas é por um motivo, que pode não ser tão observável pela pessoa física. Não devemos esquecer que empresas como Odebrecht e Oi já tiverem notas de crédito altas e deram problema”, afirma. Com as ações, a casa está cautelosa também, mas vê oportunidades especialmente em ações que se beneficiam com os cortes de juros e a melhora da economia brasileira.
Ambiente para bolsa é favorável, mas análise é caso a caso
Muitos especialistas avaliam que as ações em geral estão com mais prêmio neste momento do que as debêntures, mas aconselham analisar caso a caso. As ações devem se beneficiar com os cortes de juros. Já mudanças na regulação de papéis isentos de imposto causaram uma corrida por debêntures e a alta demanda levou a uma redução nas taxas desses títulos. Ainda, os juros recuaram com a normalização do mercado após a crise da varejista Americanas.
Nicole Vieira, sócia, membro do comitê de gestão de crédito e atuante na área de relações com investidores da Polo Capital, afirma que o ambiente econômico está mais favorável para as ações do que para as debêntures de forma geral, mas que é preciso fazer uma análise caso a caso. “A bolsa não está com fluxo de investidores, mas o retorno potencial é muito grande com os cortes de juros previstos. Já para o crédito, o fluxo está grande e as taxas das debêntures estão caindo agora ”, diz. “Tem oportunidade ainda em crédito privado, mas as taxas podem diminuir ainda”, acrescenta.
Ela afirma que a ação deve ser comprada quando o futuro do negócio é promissor, enquanto a compra de uma debênture depende mais do passado, ou seja, dos seus resultados financeiros que demonstram ou não a capacidade da companhia de honrar o pagamento da dívida para o debenturista. “Uma companhia endividada pode ser muito ruim para as debêntures, mas não é necessariamente ruim para as ações”, diz.
A emissão de ações pode afetar as debêntures, acrescenta. Um exemplo é a história da Magazine Luiza. A debênture da empresa oferecia uma taxa muito alta no fim de 2023, mas agora a debênture está pagando uma taxa menor, porque a companhia anunciou que emitirá novas ações na bolsa, o que deve melhorar a sua estrutural de capital. Nesse mesmo intervalo, o preço da ação aumentou, com os investidores vendo valor maior na empresa. Pode ser que no futuro a ação avance mais que a debênture, mas não existe garantia.
Robert Balestrery, sócio-fundador e chefe de investimentos do Grupo SWM, afirma que as companhias que são grandes geradoras de caixa e têm investimentos baixos costumam ser boas distribuidoras de dividendos. Nesses casos, geralmente é melhor comprar as ações do que as debêntures.
A Vale é um exemplo de empresa assim. A taxa de retorno com dividendos (chamada de “dividend yield”, em inglês) aguardada para o ano é maior do que a taxa de retorno esperada com a debênture. “No caso da Vale, é mais interessante comprar a ação do que a debênture. O retorno será maior com dividendos, sem contar a valorização do preço da ação que pode acontecer”, diz.
Já as companhias que são grandes geradoras de caixa, mas têm investimentos altos costumam pagar dividendos baixos. Nessas situações, normalmente é melhor investir nas debêntures do que nas ações.
A Suzano é um exemplo de empresa assim. A taxa de retorno aguardada para o ano, com a debênture, é maior que a taxa de retorno esperada com dividendos. “No caso da Suzano, é muito melhor comprar a debênture do que a ação. Ela tem uma nota de crédito alta e gera um elevado caixa, mas não é uma boa distribuidora de dividendos”, acrescenta. Alternativas não faltam para os investidores. O essencial é analisar os benefícios e os riscos para o perfil e os objetivos de cada um e, na dúvida, ter um pouco de tudo.
Fonte: Valor Investe