A expansão da agenda Environmental, Social, and Governance (ESG), indubitavelmente, não se restringe ao âmbito do mercado privado e vem demonstrando a necessidade de um olhar cuidadoso por parte do Estado, seja pela sua incorporação e adequação da governança interna de órgãos e entidades da Administração Pública, seja pela competência regulatória que deve ser exercida à luz desse novo paradigma.
Em que pese o Brasil ainda ocupe posição pouco proativa junto ao tema em comparação com países situados no Norte Global [1] — resignando-se a uma posição de baixa iniciativa e criatividade regulatória, que pode representar um risco de aderência a uma regulação do tipo “one size fits all” —, há espaço para esperança e otimismo.
Isso porque, na esteira dos normativos estatais que vêm sendo editados para suprir lacunas regulatórias decorrentes da expansão da agenda ESG no âmbito da própria Administração Pública [2], uma importante novidade pode vir a ser referencial para a atividade das agências reguladoras brasileiras. Referimo-nos, aqui, à Resolução Administrativa nº 82, de 21 de março de 2023, que “dispõe sobre a Política Integrada de Governança e Responsabilidade Socioambiental (ESG), na sigla em inglês — na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)” [3].
De perfil holístico, a nova Política Integrada de ESG da ANS é muito mais que uma sistematização da Agência para si e para o setor por ela regulado; na verdade, em função de seu pioneirismo, ela pode vir a ser uma referência normativa para as demais agências reguladoras brasileiras. Nesse sentido, destacamos uma previsão específica (artigo 4º, XII) que nos desperta maior atenção tendo em vista os propósitos deste texto.
O inciso XII do artigo 4º traz como diretriz da Política Integrada a promoção do intercâmbio de informações e experiências com organizações de toda natureza, visando ao desenvolvimento nacional sustentável, mediante observância da legislação pertinente e das orientações competentes quanto aos direitos de privacidade. Consideramos essa uma das mais importantes previsões da norma, à medida que por meio desta materializar-se-á a possibilidade de diálogos institucionais, tanto público-privados quanto entre entes públicos, em prol do avanço da agenda ESG.
Em síntese: o intercâmbio regulatório previsto no artigo 4º, inciso XII, da Resolução em comento é a deixa ideal para um verdadeiro incentivo à regulamentação interna, em cada agência reguladora brasileira, de políticas, programas e projetos relacionados ao ESG — e que vão balizar, por conseguinte, a governança socioambiental nos respectivos setores regulados.
Entendemos que a institucionalização da agenda ESG no âmbito das demais agências reguladoras, por meio da edição de atos normativos próprios e específicos, bem como pela internalização do tema em suas respectivas agendas regulatórias, ampliará as possibilidades de intercâmbio institucional, promovendo uma verdadeira regulação sistêmica do ESG no Brasil, com interconexões entre os setores regulados e a atuação de todas as agências reguladoras.
Com o tempo, espera-se que cada setor regulado passe a contar com diretrizes específicas instituídas pela respectiva entidade reguladora, o que terá o condão de potencializar investimentos e resguardar a segurança jurídica, inclusive a partir de reflexos na eficiência operacional e redução de custos e conflitos em cada setor [4].
Para além dos impactos na (in)segurança jurídica, a regulação ESG também é medida eficaz no combate a práticas em que as iniciativas de sustentabilidade se revelam falsas ou contraditórias em relação às expectativas dos stakeholders — mascarando uma suposta conformidade unicamente na aparência e desconexa com a realidade dos fatos.
A fim de prevenir a contradição entre as informações divulgadas e as práticas efetivamente conduzidas, organismos multilaterais e organizações internacionais vêm ressaltando a importância de uma sistematização das boas práticas. Nesse sentido, por exemplo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica a necessidade de um sistema de “taxonomia social” [5] para classificar o que seria socialmente sustentável, e a União Europeia, ao identificar que mais da metade das comunicações ambientais do continente seriam imprecisas, propõe um conjunto de critérios padronizados para enfrentamento do greenwashing [6].
Assim sendo, a institucionalização da agenda ESG nas agências reguladoras, a partir de normas e standards criteriosos, objetivos e alinhados, tem o condão de prevenir os riscos associados às contradições entre os programas de conformidade e as práticas efetivas das organizações dos setores regulados.
Nesse sentido, é imprescindível que as normas e standards prevejam mecanismos rígidos (e sobretudo efetivos) de accountability; isto é: sujeitar as organizações — que pela natureza de suas atividades estejam sujeitas ao controle e fiscalização de determinado ente regulador — a um verdadeiro regramento de responsabilização o qual, uma vez desrespeitado, fará incidir sobre a conduta ilícita normas sancionatórias e, eventualmente, reparatórias.
Entrementes, é importante pontuar que, como as iniciativas ESG são historicamente recentes — o conceito em si surgiu há menos de vinte anos —, subsistem muitas dúvidas quanto ao significado e alcance da sigla. E, como essa agenda surge no âmago de um mercado em constante modificação, quiçá polimorfo, não é surpresa que as políticas de conformidade possam causar confusão ou interpretações dúbias.
É por essa razão que as políticas ESG devem estar submetidas à constante revisão, atualização e readequação, o que demanda a utilização de instrumentos (normativos ou não) mais adaptáveis — eis mais um desafio que a Resolução 82/2023 da ANS também parece assumir, ao ressaltar a possibilidade de que a Agência publique guias, manuais e demais instrumentos de soft law aptos a direcionar a adoção de boas práticas alinhadas ao ESG junto ao setor regulado (artigo 42).
Renovamos nossos votos, portanto, para que possamos presenciar, muito em breve, uma sistematização que possibilitará, ao fim e ao cabo, o devido enforcement que se espera da regulação ESG, auxiliada por um intercâmbio normativo e informacional entre as agências reguladoras no Brasil.
Por: Consultor Jurídico