Em 2023, a fabricante de bebidas Heineken reforçou sua atuação na circularidade do vidro e reservou, para o período, R$ 17,5 milhões para aplicar em projetos próprios, como o recém-lançado Circuito do Vidro e o Programa Volte Sempre, e também ações da indústria e de organizações, nas quais são parceiros, a exemplo do programa Recicleiros, do Glass is Good, da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), do Ecogesto, do Recupera e do SO+MA.
O Circuito do Vidro, o mais recente, é inédito no grupo por envolver a articulação de vários atores do ecossistema para desenvolver a cadeia do vidro em mais de 30 cidades de Minas Gerais, Estado onde a cervejaria está construindo sua nova fábrica. Segundo Ornella Vilardo, diretora de Sustentabilidade do grupo cervejeiro, o objetivo é aumentar em 43% a circularidade dessas embalagens no Estado e retornar cerca de 6 mil toneladas de vidro para a indústria até 2026. Para isso, participam do projeto, além da Heineken, a fabricante de vidros Verallia, a empresa de coleta e reciclagem de vidro Massfix, a Rede de Catadores de Materiais Recicláveis do Sul e Sudoeste de Minas Gerais (Rede Sul) e a Fundação Avina será a gerenciadora da iniciativa na região.
Letícia Medeiros, coordenadora de Sustentabilidade do Grupo Heineken lembra que uma das principais lições aprendidas no processo de reciclagem e circularidade das embalagens no Brasil é que o envolvimento de diferentes elos da cadeia de valor é fundamental. “Nós precisamos sim como indústria oferecer e apoiar programas e projetos que incentivem a circularidade, mas também precisamos levar conhecimento para nossos consumidores e convidar nossos clientes a fazerem parte da mudança que queremos para contribuir com um futuro próspero e mais sustentável para todos”, diz.
O investimento inicial no Circuito do Vinho será de cerca de R$ 1,5 milhão. O recurso será usado para implementação, operacionalização e execução do plano, bem como a colaboração com outros parceiros para ampliar a compra e venda de cacos de vidro. Na prática, o vidro é coletado pelas cooperativas e associações, sob a supervisão da Rede Sul, e vendido à Massfix, que processa e beneficia o vidro. Depois de tratado, o caco é, então, vendido à Verallia, uma das fornecedoras de embalagens da Heineken. A Fundação Avina será responsável pela execução do plano de trabalho e assessoria técnica para o desenvolvimento das cooperativas e governança.
É esperado que a logística reversa do vidro na região beneficie 13 associações locais e cerca de 150 catadores e catadoras, de acordo com a presidente da Rede Sul, Luênia Maria Silva de Oliveira.
As cidades bases para a compra e coleta de vidro serão: São Lourenço, Caxambu, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Três Pontas, Juruaia e Cachoeira de Minas e outras 27 serão impactadas com o projeto. A fábrica do grupo, que produzirá cervejas das marcas Heineken e Amstel, é sediada em Passos, no sul de Minas. A previsão é que fique pronta em 2026, ano em que a empresa espera já ter o ecossistema de circularidade do vidro estruturado e funcionando no Estado.
Ornella Vilardo, diretora de Sustentabilidade do Grupo Heineken, destaca que a iniciativa beneficia “todos os players da cadeia de reciclagem”, ao mesmo tempo em que reduz o impacto ambiental, diminui as emissões poluentes da indústria, economiza energia e recursos naturais e ainda gera renda para os catadores e catadoras.
Sem entrar em detalhes, afirma que o projeto levará melhores condições na oferta do material no pós-consumo. Apesar de poder ser reutilizado e reciclado infinitas vezes, o vidro é o resíduo mais problemático na cadeia de reciclagem no Brasil, pelo transporte ser difícil e caro, por oferecer riscos aos catadores em seu manuseio e, principalmente, porque o valor agregado na venda ainda é muito mais baixo do que outros materiais, o que desestimula sua coleta. Um quilo de vidro coletado é vendido, por exemplo, a cerca de R$ 0,12, ante R$ 7 do quilo do alumínio.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), no Brasil, menos de 25% do vidro usado pela indústria e consumidores retorna para a cadeia. Somente 300 mil toneladas de 1,3 milhão de material colocado no mercado são recicladas ou reutilizadas.
Jessica Doumit, diretora de Relações Institucionais da Eureciclo e diretora presidente do Instituto Giro comenta que o vidro é 100% reciclável, por ser composto basicamente de areia, tem valor baixo de compra que inviabiliza seu comércio se a indústria recicladora estiver a um raio de mais de 400 quilômetros (km), por exemplo. “Como os recicladores estão concentrados na região Sudeste, sendo só um na região Nordeste, temos uma questão logística que deve receber especial atenção”, aponta.
Ela cita que a Eureciclo está trabalhando com a aplicação local, como é o caso do Amazonas, em que o vidro, transformado em pó, é utilizado na construção civil e jateamento de embarcações, por exemplo.
O decreto federal número 11.300, promulgado no ano passado, busca acelerar essa mudança, ao estabelecer uma meta crescente de reciclagem de materiais, que vai de 27,5% em 2023 até 40% em 2032. Também adota um percentual maior de conteúdo reciclado exigido na fabricação de novas embalagens de vidro, passando de 26% para 35% em 2032.
“As empresas devem se adequar ainda esse ano às novas metas e isso incentivará que mais empresas e recicladores passem a atuar com o vidro, contribuindo para a estruturação da sua cadeia”, acredita Doumit.
A produção de uma nova embalagem a partir de cacos de vidro, usa menos energia, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa. A estimativa que a Heineken considera é que 2,9% de energia é economizada a cada tonelada reciclada e 1 kg de caco utilizado em novas embalagens substitui 1,2 kg de matéria-prima virgem.
Outro projeto que a Heineken trabalha desde 2018, e que foi ampliado este ano, é o Volte Sempre, uma parceria com o Grupo Seiva, empresa de projetos socioambientais para logística reversa, e a fabricante de vidros Owens-Illinois (O-I). O programa consiste em ter equipamentos de coleta de garrafas em vários pontos da cidade, como supermercados, condomínios, bares e restaurantes, para coleta e trituração de embalagens de vidro descartáveis. Quem participa recebe crédito na compra de produtos do grupo.
Daniel Nascimento, CEO do Grupo Seiva, lembra que trazer o consumidor brasileiro para aderir ao projeto foi o maior desafio, mas comemora os resultados. “Nestes cinco anos, é nítida a mudança comportamental e a criação de novos hábitos nos consumidores impactados. Percebemos o envolvimento significativo das pessoas, seja pela assiduidade de uso das máquinas, seja pela participação ativa no programa em forma de uso das bonificações”, diz. Foram mais de 9 mil clientes participantes da iniciativa ao longo deste período, segundo a empresa.
Desde 2018 foram coletadas 785 mil embalagens de vidro, o equivalente a 377 toneladas de vidro. Hoje são 164 máquinas espalhadas em várias cidades. Em 2024, outras devem chegar à Campinas (SP), Curitiba (PR) e Londrina (PR).
Fonte: Valor Econômico