Miklós Gábor Dietz dedica sua vida a estudar as transformações do setor bancário. Um dos maiores especialistas em finanças da consultoria global McKinsey, é ele quem coordena o Global Banking Annual Review, estudo que documenta e analisa a evolução de bancos e neobancos nos cinco continentes. Sediado em Vancouver, no Canadá, Dietz também atua diretamente com grandes corporações financeiras, ajudando-as a destravar seu potencial digital e a elaborar estratégias para lidar com novas tecnologias.
É essa experiência que dá a Dietz uma perspectiva única para avaliar o momento atual – e as expectativas para o futuro – dos neobancos. “No longo prazo, a tendência é que bancos tradicionais e neobancos passem por fusões e aquisições, e acabem se transformando em uma coisa só”, diz. Aqui, ele explica quais são os fatores que estão conduzindo o setor para esse futuro provável.
ÉPOCA NEGÓCIOS - Como você vê o panorama atual dos bancos tradicionais e dos neobancos?
MIKLÓS GÁBOR DIETZ – Uma das maiores mudanças, que está chegando após uma década de digitalização, é que os bancos tradicionais e as fintechs devem se tornar cada vez mais parecidos e mais próximos. Até agora, a digitalização das grandes instituições estava acontecendo mais no front end da operação bancária. Com o surgimento de tecnologias críticas, como a IA generativa, a transformação deve chegar também aos back offices. Essa mudança de rumo vai criar um equilíbrio entre bancos tradicionais e digitais.
NEGÓCIOS E como vê a situação na América Latina?
O sistema bancário da América Latina é único em muitos aspectos. Primeiro, porque tem as margens mais altas do mundo. Segundo, porque é mais digital e inovador do que nos Estados Unidos, por exemplo. O problema é que os bancos na América Latina em geral – e aí falo tanto dos tradicionais quanto das fintechs – são focados em finanças pessoais e dependem dos juros cobrados por empréstimos. Nesse sentido, o continente está atrasado em relação a outros mercados emergentes. Na Índia, os bancos conseguiram se reinventar e criar novos modelos de receita.
Mas as startups continuaram exercendo seu poder de mudança sobre o setor bancário?
Sim, porque há vários fatores envolvidos. É importante lembrar que, embora tenha ocorrido uma correção nas avaliações das fintechs nos últimos dois anos, a maioria delas ainda é bem mais valiosa que os bancos tradicionais. E, mesmo que algumas tenham sido vendidas, a influência permanece. Os bancos digitais chegaram com operações mais inteligentes e enxutas. Mas, com o tempo, passaram a enfrentar dificuldades para crescer, já que não contavam com a força da marca e o network dos grandes. Isso explica por que, mesmo depois de 15 anos oferecendo serviços superiores, os bancos digitais têm apenas de 15% a 20% dos mercados globais. No entanto, eles obrigaram os bancos tradicionais a tentar criar serviços e funcionalidades que se aproximassem dos nativos digitais. O que vemos hoje é um fenômeno diferente: embora o valor de muitos neobancos esteja caindo, a sua participação de mercado está aumentando – e isso está fazendo com que os grandes prestem mais atenção.
Se esse movimento continuar, os neobancos podem chegar a ter uma fatia maior do mercado do que os grandes?
Se você olhar para os neobancos no modelo mais básico, servindo um segmento mais jovem com empréstimos pessoais, cartões de crédito e contas simples, não. Porque não conseguiriam substituir o gerenciamento de fortunas dos clientes mais velhos, as operações financeiras para as grandes empresas, os investimentos em ações e várias outras funções que os grandes bancos cumprem. Mas existe um outro tipo de neobanco, que está oferecendo um gerenciamento financeiro mais completo, atendendo mais clientes e atuando em áreas mais lucrativas. Estes estão mais bem posicionados para disputar com os grandes em pé de igualdade.
Como será o futuro do setor bancário?
A minha percepção é de que os neobancos estão se tornando muito competitivos em algumas categorias, mas não serão capazes de substituir totalmente os tradicionais. No futuro próximo, eles vão coexistir, cada um cumprindo funções um pouco diferentes. Mas, no longo prazo, a tendência é que os grandes comprem os neobancos, ou então que haja fusões entre essas empresas, e tudo vire uma coisa só. Daqui a 20 anos, as pessoas não vão nem mesmo entender o que esses termos querem dizer. Porque todos os bancos serão muito digitais e muito completos. É para esse futuro que estamos caminhando.
Fonte: Época Negócios