O Brasil tem se destacado no cenário global quando o assunto é sustentabilidade corporativa. As grandes empresas brasileiras estão cada vez mais comprometidas com a transparência e a adoção de práticas que respeitam o meio ambiente, como demonstram os mais recentes dados do estudo Rumo à Obrigatoriedade dos Relatórios de Sustentabilidade, da KPMG.
O levantamento, realizado a cada dois anos e que avalia os relatórios das 100 maiores empresas de 58 países, revela que o Brasil avançou de forma significativa no compartilhamento de informações ESG (ambientais, sociais e de governança), uma tendência que tem ganhado força não apenas aqui, mas também em todo o mundo.
De acordo com o estudo publicado em fevereiro com dados de 2024, o Brasil saltou do 27º para o 19º lugar no ranking global de países com maior percentual de empresas publicando relatórios de sustentabilidade. No país, 93% das companhias divulgam suas práticas e resultados ESG, um aumento expressivo de 7 pontos percentuais em relação ao ano anterior. Esse avanço coloca o Brasil como o segundo país da América Latina, atrás apenas do Chile (96%), superando inclusive países desenvolvidos, como Nova Zelândia, Portugal e Suíça.
Contudo, apesar de esse movimento refletir a crescente conscientização sobre a importância de se adaptar a um mercado global mais exigente quanto às questões ambientais, sociais e de governança, o estudo também revela desafios importantes. A qualidade e profundidade das informações compartilhadas ainda deixam a desejar, especialmente quando se trata de questões climáticas, que são de extrema relevância no contexto de emergência atual.
De acordo com a KPMG, comparando ao estudo de dois anos atrás, a última edição, o número de empresas que se aprofundaram no tema de impacto do clima caiu 23 pontos percentuais em relação ao ano anterior. No relatório recente, apenas 52% das empresas se aprofundaram de forma adequada nesse tópico, mesmo com o agravamento das mudanças climáticas e os impactos financeiros que esses eventos extremos têm causado ao setor privado. Há dois anos, eram 75%.
“Embora muitas empresas mencionam o impacto climático, poucas se aprofundam de forma adequada. Elas perceberam que o tema exige mais reflexão e ferramentas apropriadas, o que pode ter levado essas empresas a uma abordagem mais cautelosa”, explica Nelmara Arbex, sócia-líder de ESG para a KPMG nas Américas.
A executiva alerta que “as empresas precisam não apenas reconhecer os riscos climáticos, mas se aprofundar na análise de como esses eventos afetam seus negócios e suas operações, com ferramentas adequadas para gestão”.
Para ela, a recente queda na transparência sobre os riscos climáticos e a dificuldade aparente de algumas grandes companhias em lidar com a complexidade do tema pode, porém, ter um aspecto positivo por trás.
A sustentabilidade se tornou um critério essencial para o futuro das empresas, não só pelo alinhamento com as regulamentações internacionais, mas também pela pressão de investidores e consumidores que exigem maior responsabilidade corporativa.
Com a COP30 sendo sediada no Brasil em novembro deste ano, diz Nelmara, espera-se que o país mostre avanços significativos na integração de práticas sustentáveis no setor corporativo, especialmente no que se refere à transição para uma economia de baixo carbono. As expectativas estão altas, considerando o papel fundamental que o Brasil desempenha na preservação da biodiversidade e na luta contra a crise climática global.
Materialidade
A crescente adoção de práticas sustentáveis é evidente na análise da matriz de materialidade, ferramenta essencial para a avaliação dos impactos sociais, ambientais e econômicos das empresas. Cerca de 92% das empresas brasileiras estão utilizando essa matriz, uma diferença considerável em relação aos 80% da média global.
A utilização da “dupla materialidade” — que leva em consideração tanto os impactos das empresas no meio ambiente e na sociedade quanto o efeito desses fatores sobre os resultados financeiros — é uma tendência crescente.
De acordo com os dados da KPMG, 76% das empresas já reconhecem a perda de biodiversidade como um risco significativo, um aumento em relação à edição anterior, de 68%), mas poucas estão realmente adotando ações concretas para mitigar os impactos negativos sobre os ecossistemas.
A questão da biodiversidade ganhou relevância com a COP15, realizada em 2022, na qual foram estabelecidas netas globais para proteção de ecossistemas, incentivando as empresas a incorporarem a biodiversidade nas suas estratégias ESG e relatórios de sustentabilidade, e refletindo o crescente reconhecimento da perda de biodiversidade como um risco material para os negócios e os investimentos.
O progresso foi impulsionado pela criação da TNFD (Força-tarefa sobre Divulgações Financeiras relacionadas à Natureza) em 2023, que forneceu diretrizes específicas para identificar, avaliar e relatar riscos e oportunidades relacionados à natureza.
No que tange à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), outro tópico importante no âmbito da urgência climática, 89% das empresas avaliadas no Brasil já estabeleceram metas para reduzir sua pegada de carbono.
Nelmara, da KPMG, pontua que o agronegócio, por exemplo, responsável por grande parte das emissões de carbono no Brasil, precisa ser mais proativo em relação ao uso sustentável dos recursos naturais, à proteção das florestas e à restauração de áreas degradadas.
Um outro estudo, divulgado nas últimas semanas pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), com o apoio do Grupo Report, mostrou que, entre os temas materiais colocadas pelas empresas brasileiras em 74 relatórios de sustentabilidade publicados em 2024 avaliados, os itens menos citados são desmatamento, conservação do solo, boas práticas agrícolas, manejo florestal, agricultura sustentável e práticas regenerativas, e emprego e salário digno, remuneração e práticas, relações e direitos trabalhistas, ambos os temas com 12% de presença na materialidade das empresas.
Na outra ponta, compliance é o primeiro dos 25 temas materiais mais frequentemente abordados nos documentos, estando presente em 78% dos relatórios como tema material. Mudanças climáticas e estratégia climática vem em seguida, constando em 73% das matrizes de materialidade das organizações brasileiras. Saúde, bem-estar, segurança do trabalho e condições de trabalho é o terceiro, presente em 70%.
A pesquisa, intitulada Reporting Matters Brasil, também aponta que a maioria (54%), usa entre seis e dez temas materiais e apenas 14%, porém, colocam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, como prioritários e só 12% definiram metas claras ligadas aos ODS. Dos 74 relatórios avaliados, 40 consideram dupla materialidade, 26 apenas impactos internos ou externos, e oito não declaram os processos.
Estevam Pereira, sócio do Grupo Report, destaca que a pressão das novas legislações e regulamentações tem sido um fator fundamental para essa evolução. “Os relatórios estão se tornando mais equilibrados e consistentes, mas as empresas precisam garantir que as informações divulgadas realmente refletem os impactos de suas ações”, afirma.
Entre os principais resultados, está o de que, dos 16 critérios avaliados dos relatórios de sustentabilidade, 15 tiveram aumento de pontuação, com destaque para “estratégia”, cuja nota passou de 6,9 em 2023 para 8,3 em 2024; “materialidade”, que subiu de 5,8 para 7,2 no período; “equilíbrio”, saltando de 6,1 para 7,1; e “metas”, que alcançou 7,4 ante 5,6 no ano anterior.