O governo aproveitou o “recesso branco” do Congresso Nacional para discutir, internamente, possíveis mudanças em duas propostas vistas como essenciais para regular as plataformas digitais no país — o PL 2630/2020 (PL das Fake News) e o PL 2370/2019 (PL dos Direitos Autorais).
A retomada das atividades legislativas, nesta terça-feira (1º), será acompanhada da medição da temperatura na Câmara dos Deputados para nova investida visando aprová-los. O governo confia na iminência do julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como elemento de pressão no jogo parlamentar.
Na visão do Palácio do Planalto, os projetos são parte de uma regulamentação ampla da economia digital. Mas antes terá de vencer duas batalhas difíceis. Por isso, entrou em cena a ideia de incluir no PL 2630 um “pool” de três ou quatro órgãos como braços do Estado na aplicação do marco legal das plataformas. A solução é vista como alternativa ao desejo do Congresso de nomear a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como agente regulador, entretanto sem abandoná-la completamente. Os parlamentares querem a Anatel para indicar integrantes do conselho — está em discussão a possibilidade de ampliar o número de cadeiras e abrir espaço para as empresas participarem de uma agência mais robusta.
No desenho pensado pelo governo, a Anatel poderia participar do pool dividindo responsabilidades com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e até mais dois órgãos ainda indefinidos. O modelo é próximo do sugerido pela comissão especial de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mas com estrutura para atuar em outros segmentos regulatórios, como a inteligência artificial e futuras regras para o mercado digital. É desejo do Planalto tropicalizar o Digital Markets Act (DMA) da União Europeia.
O governo não baliza a discussão iniciada na Câmara por meio do PL 2768/2022, do deputado João Maia (PL-RN), inspirado no DMA. A questão é se o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dará aval para uma iniciativa governamental ou se irá preferir o texto da Casa. A segunda opção é mais provável, observando que Lira exalta iniciativas de parlamentares como parte da estratégia para manter o centrão coeso. Já em relação ao marco legal da inteligência artificial, o governo pretende entrar no debate em andamento no Senado em torno do PL 5691/2019.
O avanço no tabuleiro de uma regulação ampla do meio digital, contudo, exigirá do governo Lula vencer o cabo de guerra com as plataformas no âmbito do PL das Fake News e, com as empresas de radiodifusão e jornalísticas, no PL dos Direitos Autorais. Ambos os projetos andam juntos e, na visão do governo, são acessórios. Do contrário, se houver aprovação de um sem o outro, seria como comprar um carro sem pneus.
As negociações pelo avanço do PL 2370, porém, estão travadas. A extensão de direitos autorais e conexos para obras audiovisuais/musicais vistas/ouvidas nos streamings sofre resistência de gigantes da radiodifusão, que migram conteúdo para plataformas próprias. As empresas são contrárias ao pagamento de direitos para um hall maior de profissionais (atores, roteiristas, produtores, entre outros) envolvidos em produtos (novelas, séries, filmes etc.) antigos incluídos na base dos streamings. Elas pressionam para que a regra valha para futuras obras. Já as empresas jornalísticas querem definição dos critérios para distribuição de recursos a serem cobrados das plataformas pela reprodução de conteúdo.
A disputa travou a negociação. O relator do projeto, deputado Elmar Nascimento (União-BA), aproveitou o recesso para dar tempo ao tempo. Ele deve voltar a conversar com as radiodifusoras nesta semana. Mas evita confirmar a expectativa do Ministério da Cultura (MinC) e do Planalto para levar o PL 2370 à votação no plenário da Câmara no próximo dia 8 de agosto.