No embalo da popularização do ChatGPT, 2023 caminha para ser lembrado como o ano em que o ecossistema de inovação falou mais em inteligência artificial do que em qualquer outro assunto.
Faz sentido em um mundo em que uma parte cada vez maior do dia a dia depende de produtos e serviços amparados por IA. E as dificuldades impostas pela pandemia e pelo isolamento social impulsionaram ainda mais a pesquisa desse campo da ciência computacional que usa algoritmos e bases de dados para solucionar problemas e fazer previsões e classificações.
É um universo de termos que vem ganhando o noticiário. Por exemplo, machine learning, do ramo que foca em imitar a forma como seres humanos aprendem. Ou IoT, de “internet da coisas”, para conexões digitais de objetos cotidianos. Ou lógica difusa, uma forma de lógica multivalorada, em oposição ao 0 ou 1 do popular modelo booleano, e IA generativa, para sistemas capazes de gerar conteúdo em texto, imagem e vídeo por solicitações em linguagem comum, sem programação.
No ecossistema de inovação, esses termos são frequentes. Segundo um levantamento da Sling Hub, plataforma de dados sobre o meio de startups na América Latina, há 48 unicórnios na América Latina. Destes, 21 dizem usar ou vender inteligência artificial. Mas onde está essa inteligência artificial na prática?
Segurança, eficiência e produtividade são os alvos mais recorrentes
Entre os unicórnios, como são chamadas as startups que passam a ser avaliadas acima de US$ 1 bilhão, as aplicações de IA variam. Segurança e eficiência são metas recorrentes para sete startups unicórnios de diferentes segmentos ouvidas pela reportagem.
Como nos casos da 99, onde robôs monitoram padrões suspeitos em corridas, e da Frete.com, que usa IA para conectar o melhor caminhoneiro com a melhor carga. “O processo de fraudar, e de se proteger dos fraudadores, vai ser cada vez mais um jogo onde tanto os ataques quanto as defesas serão feitas via robôs. Ladrões de cargas estão ficando sofisticados”, diz Federico Vega, CEO da Frete.com.
Os times de tecnologia são protagonistas, representando fatias expressivas do quadro de funcionários, segundo as empresas, com profissionais de cargos como “engenheiro de machine learning” e “cientista de dados”.
Na Loft, a área de tecnologia fica atrás apenas de operações, com 15% dos colaboradores. A empresa desenvolve um sistema com parceiros para caçar transações “por fora” – é quando um participante da negociação é retirado do processo de venda para não pagar comissão. A inovação já recuperou R$ 350 mil, e mira um universo de fraudes estimado em 4% das transações no setor imobiliário.
Na Creditas, os especialistas em IA respondem por cerca de um quinto (19%) dos profissionais. Na Incode, startup de verificação de identidade e autenticação digital fundada no México, o time equivale a um terço dos colaboradores – a empresa já tinha no Brasil clientes como Rappi e Nubank, e acaba de abrir um escritório em São Paulo.
Já na NotCo, pioneira entre foodtechs que replicam produtos de origem animal a partir de plantas, cerca de 40% da equipe de desenvolvimento é de especialistas em inteligência artificial. A startup batizou de Giuseppe seu primeiro robô, que hoje tem mais quatro extensões – Biagio, Discovery, Toolbox e Flora – responsáveis por aprimorar as pesquisas de sabor, textura, cocção e afetividade dos produtos.
Também é recorrente entre as startups unicórnio que a inteligência artificial seja um tema central para os times de compliance e jurídico. “Surgiu a necessidade de um novo olhar sobre segurança cibernética, vazamento de dados e direitos autorais”, comenta Victor Hugo Marques, Diretor de Data Science & Credit Strategy da Creditas.
Todas as empresas ouvidas relatam ainda uso de IA em outras áreas além daquelas diretamente ligadas a tecnologia. Algumas, como a mexicana Incode, criaram seus próprios robôs de IA generativa, à semelhança do ChatGPT, para agilizar o onboarding de novos clientes.
O iFood, onde 2.200 dos 5.000 colaboradores trabalham com dados e tecnologia, lançou em dezembro passado o Plus One, uma IA generativa que é usada pelos times em seus projetos.
Unicórnios se mostram favoráveis à regulação, mas creem em potencial positivo
No geral, o desenvolvimento da IA vem acompanhado, nas startups unicórnio, de algum nível de debate sobre os aspectos éticos que cercam a evolução dessa tecnologia.
Deveria haver uma regulação ou um manual de boas práticas? Se sim, é viável imaginar uma coordenação em escala global? E, nessa hipótese, ainda que haja ação, é possível regular o desenvolvimento da IA?
“A IA traz à tona debates éticos importantes sobre temas como equidade, relações de trabalho e propriedade intelectual. Mas não sabemos se haverá uma coordenação em escala global ou se é possível regular o desenvolvimento”, diz Marques, da Creditas.
“Provavelmente não se trata de uma decisão binária, mas de como criar engajamento que incentive usos benéficos. Não é um desafio fácil, mas a internet é um projeto coordenado globalmente e uma prova de que isso pode ser feito”, diz Luis Bitencourt-Emilio, CTO do Grupo Loft.
“A inteligência artificial, como qualquer outra tecnologia, é uma extensão da capacidade humana de crescer. O uso deveria ser regulamentado sob um código de ética. A coordenação é difícil, mas o bem que podemos alcançar com a IA é mais forte do que os aspectos negativos que ela pode gerar”, opina Maurício Alonso, General Manager da NotCo no Brasil.
“O uso de informações de terceiros e o tratamento dessas informações deveriam ser reguladas. O Brasil fez um grande avanço com a LGPD, mas acredito que o descumprimento da regulamentação deveria resultar em penalidades mais duras”, pontua Vega, da Frete.com.
Fonte: Época Negócios