A transição energética é um dos elementos mais importantes para a redução da emissão dos gases de efeito estufa e do aquecimento global. Afinal, é preciso pensar em medidas que de fato reduzam a pegada de carbono da geração de energia e desenvolvam novas formas de produção totalmente descarbonizadas. É aí que despontam soluções como energia eólica, solar, hidrogênio sustentável, geração de energia a partir da biomassa, entre outras. Mas para que essa transição possa acontecer verdadeiramente é preciso pensar em dois pontos centrais: o financiamento e a regulação.
A começar pelo financiamento. Ainda existem muitas dificuldades em realizar investimentos efetivos em energias renováveis, mas aos poucos isso começa a se destravar e o cenário começa a se modificar. O novo Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), apresentado pelo Governo Federal recentemente, prevê investimentos de R$540 bilhões em transição e segurança energética, buscando diminuir a dependência externa de derivados de petróleo e o estímulo a energias renováveis. Para a produção de combustíveis de baixo carbono, por exemplo, prevê-se que seja destinado R$ 26,1 bilhões. A Petrobras também realizará investimentos e prevê o aporte de R$8,9 bilhões em descarbonização – e já declarou que estuda realizar investimentos em projetos de eólica offshore.
Para além do investimento público, o setor privado também poderá realizar aportes que são essenciais para a ampliação da utilização de fontes renováveis. Para se ter uma ideia, o PAC prevê que o setor privado será responsável por todo o investimento em usinas solares (R$ 41,5 bilhões) e eólicas (R$ 22 bilhões). Em relação ao hidrogênio verde, o Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) estimou que os projetos para esse tipo de energia previstos, para pelo menos oito usinas comerciais no Brasil, sejam de R$30 bilhões. Recentemente, a União Europeia também anunciou um investimento de R$10 bilhões em hidrogênio verde no país.
Se ainda são números que estão longe do ideal, é preciso dizer que, aos poucos, os investimentos em busca da transição energética começam a se destravar. A expectativa é que esses números cresçam muito mais. No entanto, para isso é preciso ainda ultrapassar um gargalo muito maior: o da regulação.
Aqui vale destacar uma diferença do setor de energia em relação a outros projetos que visam mitigar emissões de gases de efeito estufa. O setor energético é altamente competitivo e está sempre na fronteira da tecnologia e do conhecimento, impulsionado pela necessidade de que os projetos gerem retorno financeiro. Portanto, os riscos jurídicos e regulatórios são acompanhados com muita cautela pelos investidores deste setor. Sem a segurança jurídica necessária para realizar aportes em áreas tão novas e ainda pouco reguladas, muitos investidores, por ora, não se sentem seguros em investir em alguns projetos de energias renováveis.
Mas, também nesse sentido, parece que o Brasil caminha para um cenário positivo. São diversos os projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que podem responder alguns dos gargalos que ainda demandam solução. Em relação ao hidrogênio verde, tramitam no Senado Federal o PL nº 2.308/2023, ainda em discussão nas comissões, e o PL nº 725/2022, que está na Comissão do Meio Ambiente, aguardando a apresentação do relatório final e que insere o hidrogênio na Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997), propondo colocar a energia sob a regulação da ANP. Destaca-se também a formação da Comissão Especial do Hidrogênio Verde, que realiza debates sobre o assunto. Ainda há muitas incertezas em relação ao papel e à competência dos diferentes órgãos, instituições e agências federais na regulamentação e fiscalização, em relação à redução da carga tributária e à possibilidade de realização de incentivos fiscais sobre tributos federais para municípios com interesse em investir no hidrogênio verde, além de outros pontos relacionados à infraestrutura, definições jurídicas e possibilidades de financiamento.
Em relação às eólicas offshore, o Governo Federal publicou em 2022 o Decreto nº 10.946, que buscava regular as eólicas e solares offshore e a maremotriz, mas não abrangeu todos os pontos necessários, tampouco substituiu a segurança jurídica e a robustez que as definições contidas em uma lei podem oferecer. Também há projetos de lei em tramitação como o de nº 576/2021, que já foi aprovado pela Comissão de Infraestrutura e aguarda votação no Plenário da Câmara dos Deputados. Em relação a este projeto, ainda há inseguranças relativas à cobrança de uma taxa a título de participação governamental para a utilização do espaço marinho, o que pode desestimular investidores.
Outro elemento importante é a regulamentação dos projetos de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS), em especial porque se relacionam à produção de bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês), quando se combina a geração de energia a partir da biomassa com a etapa de captura do CO2. O PL nº 1.425/2022 já foi aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado e atualmente está na Comissão de Meio Ambiente. Hoje, para que os projetos de CCS saiam do papel, é muito importante definir pontos como qual será a autoridade outorgante e reguladora, quais as condições necessárias para a outorga e por quanto tempo será permitida a injeção, além da delimitação da responsabilidade de longo prazo pelo CO2 armazenado e a obrigação de monitoramento. Esses são fatores essenciais para que os investidores entendam quais são suas obrigações, pontos de riscos e quais regras precisam ser seguidas.
Os esforços são muitos, mas parece haver uma concertação no sentido que devem ser feitos. A transição energética – e justa – é um processo complexo, urgente e depende do esforço de diversos entes da nossa sociedade para sair do papel e apresentar resultados de fato significativos. Os investimentos são necessários, mas também é preciso criar um ambiente favorável e de estímulo para que o poder público se interesse pelas energias renováveis e por novas fontes de substituição dos combustíveis fósseis. Para além da conscientização sobre o tema, é preciso haver o interesse econômico e político e as condições jurídicas. E isso não pode ficar restrito a apenas uma forma de produzir energia. Todas as energias limpas são importantes e necessárias para a descarbonização e a redução das emissões de gases do efeito estufa.
Artigo de Isabela Mobarch