A abordagem ESG, sob o olhar de investimentos, amplia a visão sobre as empresas já que as avalia não só por sua viabilidade financeira, mas, também, por sua sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Para uma empresa ser perene, seu modelo de negócio, em si, precisa ser sustentável, ou seja, ele não pode ter data de validade e precisa manter sua viabilidade ao longo dos anos.
A abordagem não abandona o lucro, que continua vital para uma empresa sobreviver. E, neste aspecto, existe uma percepção de que companhias aéreas não duram muito. É verdade que o setor tem seus desafios e há uma longa lista de empresas conhecidas que deixaram de existir por questões financeiras, como Varig, Vasp, Transbrasil, Pan Am, TWA e Eastern, só para citar alguns exemplos no Brasil e nos Estados Unidos. Mas focar apenas nos nomes que pereceram ignora o grande número de companhias aéreas longevas. A Delta Air Lines, por exemplo, vai comemorar seu centenário em 2024. A Avianca conta 105 anos desde sua fundação, na Colômbia, em 1919. E é superada ainda pela KLM, que foi criada apenas alguns meses antes da aérea colombiana.
As empresas aéreas que existem até hoje passaram por várias crises e, recentemente, pela maior delas. A pandemia da Covid-19 dizimou a demanda por transporte aéreo durante meses e, em vários países, o volume de passageiros em 2023 ainda foi abaixo da máxima histórica registrada em 2019. O mundo periodicamente passa por crises e várias delas acabam impactando a procura por viagens, como aconteceu na crise financeira global de 2008; depois dos ataques terroristas de setembro, em 2001; e na Guerra do Golfo, em 1990.
Nossos impactos e benefícios
Voltando à importância do ESG para a sobrevida de um negócio, no setor de aviação, a ênfase maior de atenção e cobrança acaba sendo a questão ambiental. Isso é compreensível, já que, globalmente, companhias aéreas queimam mais de 300 bilhões de litros de combustível por ano, com uma geração correspondente de carbono. Hoje, essa emissão de CO2 é inevitável para que o setor entregue seus serviços. Além disso, não há um substituto perfeito para o transporte aéreo – quando a necessidade é por um transporte de longa distância, nenhum outro meio de transporte oferece a mesma combinação de segurança, velocidade e preço.
Uma informação que pode surpreender, porém, é que, apesar desses dados, as aeronaves causam menos impactos ambientais do que vários outros meios.
Para transportar uma pessoa por um quilômetro, por exemplo, uma aeronave de última geração emite 65 gramas de carbono, enquanto uma motocicleta emite 72; um automóvel pequeno, 130; e um veículo grande, 200.
Um trem, é verdade, emite cerca de 30 gramas, mas não podemos esquecer de dois fatores: esse número não contabiliza as emissões geradas na criação da infraestrutura ferroviária e, em alguns países, como é o caso do Brasil, o transporte ferroviário de passageiros praticamente inexiste.
Apesar desse impacto ser menor do que a maioria imagina, o setor vem buscando tornar essa eficiência ambiental ainda maior e, neste sentido, se comprometeu a atingir a neutralidade de carbono em 2050 (na Azul, antecipamos nosso compromisso NetZero para 2045). Para entregar esse compromisso, já estamos reduzindo a queima de combustível fóssil de várias maneiras: utilizando aeronaves mais modernas e eficientes; trabalhando com autoridades, para podermos operar mais voos diretos; e buscando modos de reduzir o peso a bordo em nossa frota. Essas medidas têm oferecido não apenas benefícios para o meio ambiente, mas vantagens financeiras, uma vez que o combustível é, disparado, a maior despesa de uma companhia aérea.
No aspecto social do ESG, o setor de aviação não só é sustentável, como oferece benefícios positivos, começando pelo número de empregos gerados. Só no Brasil, as companhias aéreas são responsáveis por mais de 50 mil empregos diretos. Além disso, dado que a razão de existir desse modelo de negócio é conectar pessoas, a aviação gera, também, empregos indiretos, em hotéis, restaurantes, transportes urbanos, eventos, passeios, entre outros, totalizando quase 1 milhão de oportunidades de trabalho, incluindo a cadeia completa de viagens a lazer e negócios.
O setor aéreo tornou-se, ainda, essencial para melhorar a saúde da população. Milhares de brasileiros, em um país com essa dimensão territorial, dependem dos voos para ter acesso a medicamentos e a tratamento médico especializado. E mais: o transporte aéreo gratuito de órgãos, tecidos e insumos contribui com a agilidade vital para a eficácia do sistema nacional de transplantes no Brasil.
Finalmente, no aspecto da governança corporativa, há, também, uma afinidade natural entre os objetivos das empresas do setor e os de seus investidores. A aviação é extremamente intensiva em termos de capital. Uma única aeronave custa centenas de milhões de reais e cada uma das três maiores companhias aéreas brasileiras opera mais de cem aeronaves. Para viabilizar suas frotas, as empresas precisam contar com acesso a capital, por meio da emissão de dívidas ou de ações. Para tanto, um relacionamento de respeito e transparência é essencial para dar ao dono do capital a confiança de que seus recursos serão bem aplicados. Recentemente, a Azul implementou um plano de reestruturação amigável, que buscou não apenas melhorar a saúde financeira da empresa, mas, também, preservar o patrimônio e os direitos de acionistas, credores e fornecedores.
Algo análogo se aplica a outro recurso essencial ao setor: a mão de obra. Nossos funcionários (tripulantes, como são chamados na Azul) são tratados e reconhecidos com a importância que dispensamos aos nossos clientes, de forma que se tornam, espontaneamente, parte interessada na perenidade da nossa companhia. São eles que garantem que cada cliente seja transportado com segurança, eficiência e conforto. Pensando nisso, o investimento na diversidade, para que toda a sociedade se sinta representada por uma empresa aérea, é outro aspecto que tem recebido um cuidado e investimento gradual do setor, embora ainda longe do ideal.
A aviação, como outros setores da economia, ainda tem muito a fazer pela ampla temática ESG. Acredito que o foco insistente e duradouro dos investidores nessa abordagem é essencial para que esse trabalho persista.
Fonte: Alex Malfitani/Valor Econômico